As amizades que construímos e mantemos no decurso da vida, são parte integrante dos nossos processos de construção, socialização, afectividade e doação. Uma boa forma de perceber se estamos a envelhecer bem é observando a longevidade das amizades que mantemos e que nos mantêm.

Não é fácil ser amigo. Não é fácil ter amigos. Há pessoas com enorme capacidade de socialização e interação com os outros, mas, totalmente incapazes de entrarem no domínio da amizade porque esta exige esforço, renúncia, carinho e dedicação. Ter conhecidos é mais simples, porém, bem menos prazeroso, pois quem faz a experiência da amizade, não quer nem suporta viver sem ela. A amizade suporta-nos e levanta-nos quando caímos. Só na intimidade da amizade compreendemos que saramos feridas mais eficazmente, libertando-nos de amarras que nos asfixiariam se a estrada que percorremos estivesse deserta e desprotegida de amigos. Deixar que a amizade do outro tome conta de nós é abandonarmo-nos no seu colo, como um filho que descansa no regaço da mãe, sabendo que de lá sairá sempre revigorado.

A amizade é coisa séria. Exige cuidado, afecto, atenção e renúncia porque se trata de um caminho de conhecimento e cuidado mútuos. Um amigo fiel é um tesouro e uma poderosa protecção como refere o livro de Ben Sira (6,14). E que bem nos sabe receber aquela mensagem ou chamada dos que muito estimamos e fazemos por cuidar, mesmo distantes. Trata-se da concretização do tal cuidado e amor que nestes tempos agrestes somos ainda mais desafiados a ter.

A pandemia veio-nos relegar para o isolamento e consequente distanciamento físico (não social!). Porém, não deixemos que ela mate as amizades que construímos ao longo de anos com esforço e dedicação. Não permitamos que este distanciamento se torne em esquecimento por estarmos fechados em casa e/ou sob nós mesmos, descurando os amigos que continuam sedentos de uma palavra de carinho e compreensão. Se para nos mantermos com saúde necessitamos de distância física, para o nosso equilíbrio interior precisamos de continuar a alimentar as nossas amizades.

De que nos serve ter dois, três, quatro, cinco mil amigos no Facebook e outros tantos seguidores no Instagram se nos sentimos mais sós do que nunca? De que nos valem publicações cheias de alegria – serão mesmo? – se o nosso coração está desfeito pela solidão? Se há coisa que estes tempos me têm ensinado, é que quem é amigo tem-se feito presente de variados modos – mensagens, chamadas, videochamadas, e até cartas/postais, sim, ainda tenho amigos que assim comunicam comigo, e eu com eles, e como é bom ser antiquado nisto.

O momento presente obriga-nos a uma paragem que pode ser útil para analisarmos as nossas amizades e vermos de que forma estamos a (des)cuidar delas. É o tempo oportuno para uma filtragem saudável e amigável, afinal, quem de momento não se encontra a bordo desta viagem é porque nunca a iniciou verdadeiramente.

Sejamos sensíveis aos amigos que estão sós, tristes e desalentados. Não exageremos na presença física, mas sejamos o seu presente, ainda que virtualmente.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia