Abraão Amram destacou-se como o mais importante membro da família judaica de Faro. Iria adquirir a rica residência, na rua Filipe Alistão, o chamado solar do Capitão-Mor, o Desembarcador Veríssimo de Mendonça Mascarenhas Manuel, edifício nobre do meio século XVIII. Amram adquire o edifício em fins do século XIX, promove algumas transformações interiores, passando aí a residir em luxo citadino, só comparável ao palácio das Açafatas (Rua de Santo António), solar dos Pantojas, na mesma rua, solar das Gárfias, rua Tenente Valadim, Residência Crispin, rua do Prior, Palácio Bivar, etc.

Assim a família judaica adquiria pela posição cosmopolita e altamente burguesa, pela situação tanto de comércio, como bancária e industrial.

Não sei se haverá alguma ligação ou acção revindicta, quando o rico judeu Samuel Amram comprou o Convento de Nossa Senhora da Assunção, pertença, pela reforma do liberalismo, posto a haste pública, depois de 1833 ser ordenado o encerramento dos conventos. Em 1860, José Maria de Carvalho e Teodoro José Tavares compram o edifício por 1.200$000 réis. Entre várias peripécias e interesses, o edifício seria revendido ao judeu Samuel Amaram por 2000$000 réis, para nele ser instalada uma fábrica de rolhas e preparação de cortiça em prancha, como durante muitos anos se leu em letras pretas sobre a vasta parede caiada de vermelho. (1)

Foi uma falta de respeito ao património religioso da cidade de Faro pelo Convento construído, em fim do reinado de D. João II, pela intenção de responsabilidade de sua mulher D. Leonor de Lencastre, a fundadora das Misericórdias em Portugal.

Afirma-se, com todo o rigor científico que os terrenos onde foi construído o convento de Nossa Senhora da Assunção era um bairro pertença da judiaria de Faro: Que o documento é verdadeiro, judicial e oficial não se pode duvidar. Está assinado por juízes, pelos almoxarifes (tesoureiro da casa real) de Faro e das obras, por tabeliões, por testemunhas e constitui um processo judicial, inequívoco e autêntico. (2)

Sabemos que a vila de Faro (só será elevada a cidade em 1540 pelo rei D. João III) era de sua pertença, como decreto do rei D. João II. Faro, Silves e Alvor eram terras do Algarve de pertença às rainhas de Portugal, desde 1492.

Se coloco a frase “acção revindicta”, somente por o edifício ter sido construído no espaço da antiga judiaria de Faro e todo o terreno salgado para que nada mais nasça nessa terra impura. Seria (e porque não) uma demonstração de recuperação do tempo perdido, na cidade recuperada? Assim sendo (pensamento interiorizado e admitido), não deixaria de ter sido uma afronta que a cidade deixou passar, pela circunstância de dependência face ao estrangeirado numa época de tímida industrialização.

O incremento dos transportes e comunicações levado a cabo pelos governos da Regeneração, em grande parte financiado pelo crédito estrangeiro, teve importantes implicações na modernização do país. Essa considerada prosperidade económica fizeram crescer, por todo o país, uma vasta rede de bancos (51 em 1879).

Faro, uma pequena cidade que ascendeu a capital de província em 1833, entrou nesse pequeno fluxo de financiamentos. Os judeus contribuíram para esse desenvolvimento, em que a economia, habitualmente agrária e de pequenos comércios dos seus naturais. Quando o comboio chegou a Faro, o último reduto, em 1889, completavam-se 1895 kms de linha férrea. Apesar disso, Portugal era dos últimos países a ocupar o último lugar entre os países desenvolvidos na Europa.

O património era de somenos importância para o deslumbramento que se vivia por cá. Não admira que o mais notável monumento renascentista, iniciado no fim do século XV e terminado no séc. XVI tenha ido para às mãos de não importa quem. Assim em 1860 é vendido em haste pública o convento de N.ª S.ª da Assunção a José Maria de Carvalho e Teodoro José Tavares, pelo valor de 1.2000$00 réis, que logo passa ao valor de 2.000$000 réis, para a posse do judeu Samuel Amram que montou uma fábrica de rolhas e de pranchas de cortiça, como durante muitos anos se leu em letras pretas sobre a vasta parede caiada de vermelho.

Quando se afirma que os judeus teriam cometido uma acção revindicta para aquele espaço sagrado de 400 anos de existência, até à data, tudo é plausível e tudo é aceite numa época em que os portugueses viviam numa transformação política e sem sensibilidade cultura patrimonial.

Morto Abraão, ficaram os filhos Samuel e Jshuah que logo venderam o imóvel já irreconhecível pelos estragos causados pelos três incêndios (sempre cobertos pelo seguro) que o imóvel sofreu… Lembra Pinheiro e Rosa: Mas lembro-me muito bem de ver a prensa hidráulica instalada na igreja atravancada de fardos, e da abertura por onde passavam as correias que vinham do motor, montado junto de um moirões do claustro, onde ainda estão as suas marcas! Faro sorriu a isto durante mais de oitenta anos! Extraordinária brandura de costumes! (2)

Como os judeus, em Faro, se riram de nós! Lembro, em pesquisa, ler da situação de crianças de oito aos dez anos executarem serviço escravo, movendo roldana, a chicotada, para maior rendimento. O caso foi denunciado pelo jornal “O Algarve”, o jornalista Mascarenhas ainda foi condenado por abuso de imprensa. (3)

Os seguintes proprietários foram, primeiro o alemão Greiner, associado depois a outro compatriota, Fritz Henzier em fábrica de cordas e cortiça…

Nas fotos: O convento de Faro enquanto fábrica de Cortiça, no tempo dos judeus.

Teodomiro Neto

1) “O mais representativo monumento da cidade de Faro” -1978 – Pinheiro e Rosa
2) “Convento N.ª S.ª da assunção”
João Alberto de Carvalho Marques – Faculdade de Letras
de Lisboa 1991
3) “Faro 450 anos de cidade” – 1990 – Teodomiro Neto

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico