A descoberta de uma das mais importantes Livrarias Privadas Portuguesas do séc. XVI:
– A Livraria de D. Fernão Martins Mascarenhas, Bispo do Algarve, saqueada, em Faro em julho de 1596 no âmbito da guerra entre Portugal e a Inglaterra no contexto da União Dinástica.
Após mais de 30 anos sobre as primeiras referências a esta Livraria (hoje apelidamos de Biblioteca, mas na ápoca um conjunto avultado e notório de livros era conhecido como uma Livraria), as quais foram dadas a conhecer por José António Pinheiro e Rosa nos jornais de Faro, conseguimos localizar um avultado conjunto de obras com as Armas (vulgo, Heráldica de Domínio Familiar) de D. Fernão Martins Mascarenhas, as quais se encontram na Weston Library/Bodleian Library em Oxford. Imagine-se a perplexidade do investigador quando observou e sentiu pelo seu tato, dezenas de livros encadernados com o Brasão deste Bispo com a idade superior aos 420 anos de História se tivermos em conta o ano em que as mesmas foram saqueadas, isto é, em 1596.
Numa semana, conseguimos observar várias dezenas de obras (numa totalidade em inventário superior aos 100 volumes) e digitalizar alguns frontispícios das que nos foi possível observar durante os dias que passámos em Oxford.
Pelo estado da encadernação das obras, ficamos com a impressão de que tinham saído da tipografia há poucas semanas, revelando o cuidado com as mesmas no momento do seu embalamento quando da expedição para Londres e daí para Oxford. Muitas dessas obras têm anotações do próprio proprietário (o que indicia que as leu), bem como alguns comentários aos textos impressos. Outras têm a assinatura do autor das obras o que também indicia que, para o Bispo do Algarve, em tempos idos, estudante em Évora e em Coimbra e também reitor da Universidade, as considerava como algo muito importante, pois obras da autoria de Francisco Campos (obra datada de 1588 e impressa em Salamanca) e de Rodrigo Suarez datada de 1588 e impressa em Valladolid, com as respetivas assinaturas (obras autografadas, portanto) não seria algo comum à época. No entanto, não lhe são dedicadas, o que pode significar que teria convivido com esses autores; que teria adquirido essas obras e por intermédio de outra pessoa (portanto, o comprador), os seus autores teriam autografado essas obras ou as teria adquirido em segunda mão, o que seria algo inusitado, atendendo ao seu património financeiro familiar. De qualquer modo, e importa estudar esta circunstância, tratam-se de obras importantes e com a assinatura dos seus autores.
Outras características deste conjunto de livros, maioritariamente em latim, existe, contudo, uma obra editada em latim e em castelhano (algo inédito no conjunto dos livros até agora conhecidos) e centrada na temática das heresias e bruxarias e o modo como os padres deveriam atuar sobre os que praticavam ou fossem acometidos de atos menos apropriados dentro da ortodoxia católica da época. Destacamos também um manuscrito em português, este com dedicatória do seu autor, António Pereira, de Estremoz, e que apresenta algumas passagens censuradas pelo próprio Bispo, embora detenha alguns comentários tanto em latim como no “nosso português”, parafraseando as palavras do Bispo, sobre como devia atuar durante os partos e os meios para tal. Esta obra trata da Vida de São João Batista e será toda digitalizada (mediante fotografia digital) e apresentada ao público na terra natal do seu autor.
Não nos querendo alongar mais, pois esta Livraria será estudada em pormenor entre 2022 e 2024, considerando as particularidades da mesma e a elaboração de um quadro comparativo com outras Livrarias já conhecidas em Portugal para o mesmo período, existem dois incunábulos do século XV, apresentando um deles um Brasão de Armas que não é do Bispo, mas que sabemos que lhe pertencia, pois foi rasgado e retirado da encadernação original e integrado numa coletânea de uma entidade que a seu tempo será divulgada. Este exemplar (num conjunto de 7 mil incunábulos integrados na Bodleian Library com início em 1601 e num conjunto de 25 mil em todo o Mundo) poderá ser um dia observado numa Exposição que pretendemos realizar, o mais tardar, até aos finais de 2026 quando dos 640 anos do Tratado de Windsor, a mais antiga Aliança entre dois países e que data de 1386 entre Portugal e a Inglaterra.
Para completar o que encontrámos, será realizada uma nova viagem a Oxford a breve prazo e como informação importante encontrámos, na citada Biblioteca, obras da propriedade do Bispo do Algarve que não constam no Inventário inglês datado de 1922.
Em 1596 existiu um saque, a palavra mais apropriada para uma ação desta natureza em tempos de guerra. Se tal não existisse, não se entenderia as cartas dirigidas a monarcas e ao próprio Papa sobre o assunto. Sempre foi intento do Bispo, até ao ano da sua morte, em 1628, recuperar a sua Livraria. Se em vida assim não aconteceu, passados quase 400 anos sobre a sua morte, conseguimos localizá-la (se não na totalidade, pelos menos em grande parte) e desejamos dar ao conhecimento público algo que, pela sua natureza e importância, tendo esses livros constituído a estrutura do ideário de muitas das suas decisões enquanto ocupou vários cargos na vida pública, nomeadamente Reitor da Universidade de Coimbra; Bispo do Algarve e Inquisidor-geral.
Finalizando, enquanto investigador, esta descoberta trata-se de algo comparável à descoberta de um “tesouro” conhecido pelas Fontes documentais antigas e que muitos comentavam há trinta anos qual o local da sua localização e se na realidade sempre existiriam. Enquanto historiador, com esta “descoberta” ainda mais nos fascina o percurso existencial de D. Fernão Martins Mascarenhas, sobretudo enquanto bibliógrafo e detentor de um conjunto de obras, muitas delas (e com o seu estudo provaremos essa importância) parte integrante da cultura europeia do séc. XVI.
Numa contextualização cronológica em relação a este projeto, o mesmo foi iniciado há alguns anos, com Palestras e Conferências com vista a chamar a atenção das entidades que podem financiar este Projeto (tanto públicas como privadas) para a importância do mesmo. Pela envergadura e estrutura deste trabalho, sobre este desiderato recaem avultadas quantias para a sua realização, indo o mesmo a metade do seu percurso. Mais uma vez apelamos ao contributo do que podem marcar a sua presença como patrocinadores deste Projeto, disponibilizando quantias financeiras para sua concretização, as quais na sua totalidade (2ª fase) estão orçamentadas em mais de 10,000€ (contactando o autor do projeto via email: jajm2010@gmail.com) e fazendo parte desta “aventura” científica e cultural, a qual será acompanhada, a par e passo, por um Órgão de Comunicação Social privado, associando-se ao investigador deste Projeto a Oxford para filmagens no local e sobre a história desta Livraria do século XVI.
José António Martins
CH-FLL