
Todos temos acompanhado a triste saga da Raríssimas, em longas horas de televisão, de artigos de jornais, de opiniões e de investigações. Já se demitiram governantes e deram explicações. Já falaram ex-Primeiras Damas, Ministros, Primeiro-ministro e Presidente da República. Todos temos opinião sobre o tema e não é difícil perceber qual o sentimento geral sobre o assunto: estamos indignados, enquanto cidadãos e contribuintes e enquanto seres humanos, que se sentem ofendidos naquilo que de mais generoso possuímos nas nossas naturezas.
Olharmos para uma instituição como uma referência de bem servir e, de repente, perceber que ela afinal é um ninho de oportunistas, onde depois de as comadres se zangarem se sabem as verdades, como diz o povo, faz-nos pensar se não estaremos constantemente a ser enganados por quem diz fazer o bem ao próximo. Questionamo-nos sobre todas as campanhas de ajuda que já acompanhamos e para as quais contribuímos e desejamos que todo o nosso esforço e o nosso dinheiro tenham sido usados para bons fins e não para beneficiar interesses escusos. Ficamos desconfiados. É normal e estou certo que, doravante, em peditórios públicos ou não, muitos ouvirão ainda mais desaforos e recusas inflamadas à participação.
Esta Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), que tem por missão o acompanhamento e cuidado de pessoas com doenças raras, era para muitas delas a garantia de cuidados que são o único conforto, mesmo o único têm nas suas débeis e difíceis vidas. Devido à raridade das suas doenças (grande parte dessas doenças afeta profundamente a capacidade motora e neurológica), os hospitais públicos não têm condições humanas e económicas para acompanhar estas pessoas. Uma boa ideia criou uma excelente IPSS, que tem feito um trabalho meritório. No entanto, houve o deslumbre do poder por parte da sua fundadora.
O deslumbre do poder é algo que pode afetar-nos a todos. Não sendo uma “doença”, é um dos pecados da atualidade. Normalmente, o deslumbre do poder surge em pessoas que tendo um trabalho meritório e notável, sentem que sem elas aquela IPSS ou outra entidade não é nada. E elas, sem essa IPSS ou entidade, nada são. Aí surgem tiques de autoritarismo, que vulgarmente desembocam numa utilização pessoal e indiscriminada de dinheiros e objetos que pertencem não a quem os usa, mas à instituição que deveriam servir. Parece ser este o caso da Sra. D. Paula Brito Costa. Se não fosse a Raríssimas ninguém a conhecia e, de certeza, não «ia à rainha», pois tal não acontece normalmente a um vulgar cidadão, sobretudo àqueles que têm o honroso trabalho de vendedores de jornais, que era o antigo emprego desta famosa senhora. O trabalho é valido? É. Todavia, quem é importante neste caso não é o criador, mas a criatura, ou seja, aqueles que usufruem do trabalho da Raríssimas e própria instituição enquanto prestador de cuidados que são extremamente úteis e necessários.
Contacto com IPSS desde 2007. Todas ligadas à Igreja Católica. Hoje sou presidente de uma. Estou perfeitamente à vontade para falar, porque, quem me conhece verdadeiramente sabe que nunca ambicionei ser presidente de nenhuma. Já tinha tido essa possibilidade há anos atrás e recusei, porque tinha a meu lado alguém que é verdadeiramente talhado para esse trabalho. Hoje sou-o, devido à minha condição de pároco. Ao longo destes anos tenho presenciado imensos deslumbres de poder. Uns mais graves que outros. Mas todos com a mesma raiz, o mesmo fundamento e origem. Quem tem deslumbramentos de poder e tiques de autoritarismo sabe que, sem aquele lugar, sem aquela função, por mais insignificante que seja, não é ninguém na sociedade civil, na sua aldeia ou na sua paróquia. E então, agarra-se ao poder e impõe-se, fazendo da instituição a sua casa, a sua empresa, enfim, a sua vida.
Penso que a solução para quem exerce função numa IPSS é “não nos levarmos demasiado a sério”. Mesmo que sejamos os fundadores humanos, a obra é de Deus, é da Igreja para os outros. Sem Deus, nós não conseguiríamos criar ou manter nada. E no caso das instituições pertencentes à Igreja, cada vez mais a gestão dos espaços é feita com muito rigor e com a consciência de que é necessário que sejam um modelo de atuação, um de muitos modelos a seguir, mas um dos modelos felizes e dignos. A Igreja quer ser ajuda verdadeira e efetiva e quer ser atuante na sociedade, junto de todos. Quer ser uma voz que clama e que aponta para onde ir no que concerne ao serviço ao próximo.
Por mim, peço a Deus que nunca caia no deslumbre do poder, nem nos tiques de autoritarismo!
E continuo a acreditar que a Raríssimas será um caso raro, único mesmo. Não o afirmo apenas porque sei que a Segurança Social na generalidade está atenta e responde a todas as dúvidas, denúncias, problemas que lhe são reportados, fiscalizando regularmente estas organizações. Afirmo-o, porque acredito e vejo o trabalho de muita gente de bem, que se entrega às suas causas e nunca aparece, que vive o seu trabalho e que efetivamente procura ser o samaritano que muitos necessitam, sendo prestadores de cuidados para tantos, desde crianças, deficientes, mães solteiras, refugiados, idosos e muito mais.
E é neste espírito e com a esperança, que entro na quadra natalícia, rezando por todos os que trabalham na messe e fazem o trigo nascer, para que nunca percam a capacidade de se entregarem, de serem apenas servidores e, dessa forma, não apenas fazerem os outros mais felizes, mas serem eles mesmos verdadeiramente a felicidade!
Um Santo e Feliz Natal para todos!