
Não conheço, nem nunca vivi uma cena de violência doméstica. É algo que não compreendo, nem o porquê, nem o como isso é possível. Se presenciei discussões familiares? Sim, como em todas as famílias. Mas para mim é impensável que uma mulher seja agredida verbalmente e, mais ainda, fisicamente.
Por isso, nos últimos tempos, tenho-me sentido atónito quando um juiz acha normal que uma mulher seja agredida com uma moca de pregos, utilizando a própria bíblia para justificar a sua decisão de não condenar um agressor, só porque a mulher cometeu adultério. Aliás, já escrevi sobre esse assunto, dando nota da minha perplexidade.
Da igual forma não percebo que o mesmo juiz tenha retirado a pulseira eletrónica a um agressor que furou o tímpano e ameaçou a sua esposa com uma catana, achando que isso era uma normal discussão familiar. Posso ser muito sensível, ou ser oriundo de uma família anormalmente normal, mas tenho a certeza que não se furam tímpanos, nem se pegam em catanas em vulgares discussões conjugares.
Nada justifica a violência – contra mulheres, contra homens, crianças, idosos, animais, seres vivos, obras da criação de Deus!
Não sendo biblista e especialista em sagrada escritura, não me lembro de nenhuma passagem em que Jesus Cristo tivesse diminuído a mulher em relação aos homens. Antes, pelo contrário, na célebre cena com a mulher adultera, elevou-a, apesar do seu pecado, à mesma dignidade de todos os homens presentes. É caso para dizer que o juiz Neto de Moura é mais condenatório do que o Filho de Deus.
O problema é que começa a reexistir um preocupante clima de diminuição da mulher em relação ao homem, junto de alguns sectores conservadores e dito católicos. E o culpado não é o juiz Neto de Moura. Apresento como exemplo um artigo publicado no jornal O Observador, em que a autora, mulher – Joana Bento Rodrigues -, critica a lei da paridade e o feminismo, que considera serem desrespeitadores daquilo que, para si, caracteriza o ser mulher e são, mesmo as «características mais belas da mulher»: «o seu potencial feminino, matrimonial e maternal». Ou seja e nas palavras da autora: uma mulher «gosta de se arranjar e de se sentir bonita. Gosta de ter a casa arrumada e bem decorada»; precisa de «amparo» e tem «necessidade de segurança», pois «a mulher gosta de se sentir útil, de ser a retaguarda e de criar a estabilidade familiar, para que o marido possa ser profissionalmente bem-sucedido»; e naturalmente, «a mulher é provida de um encanto, de uma ternura, que só se encontra na sua relação com os filhos». E o que importa, na vida das mulheres, é fazer escolhas, que não são sinal de descriminação…
E eu questiono-me: e aquelas mulheres que viveram divórcios complicados, como os que foram objeto de análise por Neto de Moura, ficam onde nestas novas formas de pensar: como sustentam os seus filhos, tantas vezes objeto de perfeito abandono pelos pais? Como ficam as mulheres que têm um elevado potencial intelectual, técnico e são também mães e boas mães e podem, DEVEM ser úteis à sociedade, pondo os dons que Deus lhes deu a render? Onde ficam aquelas que não podem ter filhos por alguma razão?
Que estranhas formas de vida e de pensamento são estas, que procuram diminuir o que é bom, que é a cooperação de homem e mulher, que é a sua verdadeira e total partilha de vida?
Que estranha forma de olhar para a mulher, a deste juiz que lhe retira dignidade e a que quem pensa que apenas o potencial feminino, matrimonial e maternal podem corresponder ao ser feminino.
Não me interessam títulos, nem ideologias, não me preocupo com o que é ou não ser feminista, nem com debates sobe tais coisas. Preocupa-me o respeito pela dignidade de todas as pessoas, de todos os seres humanos. Pois de uma coisa tenho a certeza: a violência e desigualdade nunca podem ser cristãs!