– sobre amor próprio…

Sentei-me na esplanada à sombra e pedi o prato do dia. Tinha de fazer tempo e aquele era o sítio ideal, perto de onde tinha de ir a seguir. Estavam na mesa ao lado. Não pude deixar de ouvir, pois também não protegeram a conversa. Aliás, acho que toda a esplanada ouviu, tal foi o despudor na não reserva do assunto. Mesmo sem olhar para eles (estavam nas minhas costas), percebi pelo tom da conversa, vocabulário usado e factos que contavam, que carregavam um peso e amargura de vida que lhes azedava o tom e endurecia a postura. Eram um casal recente. Ela, vinda de uma anterior relação de muitos anos, desfiava um rosário de queixas relativamente ao anterior companheiro, pai do único filho. Percebi que aquela mulher, esposa num casamento de décadas, nunca partilhara das contas do marido, nunca soubera onde ele gastava o dinheiro, nada mais geria do que aquele pecúlio que ele lhe dava, quando dava e o que dava. Ela tinha consciência da sua anulação e culpava-se, mas nunca fora mais além. Viveu pois com um homem, pai do filho, mas nada mais partilhavam que aquele filho. Nada mais. Arcava agora, à posteriori, com uma série de dívidas, encargos, solicitações às quais tinha, por força do vínculo matrimonial de outrora, mesmo assim, de atender. Estava desfeita. Percebi que a relação com o filho não era melhor. O novo companheiro inflamava-a com um discurso de ódio e ressentimento, reforçando grandemente a sua (dela) inaptidão para a gestão do assunto, a culpa que tivera, a vingança que devia agora fazer desta e desta e desta forma. A frase “se fosse comigo, não eras assim tão parva, não, mas que burra foste…” foi repetida várias vezes. E alto. Para que ela e todos ouvissem, tentando afirmar-se como o “iluminado” daquele casal.

Fiquei mal disposta, enquanto comia. Pela evidência do que lhe acontecera, pelo peso da carga que lhe cabia agora carregar e sobretudo, pelo azar tão grande na escolha de um novo amor. O que poderia ser explicado por uma idiossincrasia conjugal errada no funcionamento do primeiro casal, no que à gestão do dinheiro dizia respeito, foi suplantada por uma total constatação da falta de amor próprio desta mulher, da sua falta de lucidez na gestão emocional da sua vida, da sua dependência afetiva de um novo parceiro, da falta de filtro para escolher aqueles que lhe sejam significativos, enfim, para uma total e completa inaptidão para a educação emocional, amor próprio, respeito, conjugalidade, sintonia e verticalidade. E sim, uma total inaptidão também para esta segunda escolha que, via-se à légua, não lhe poderia trazer nada de bom.

Lembrei-me dos meus filhos. Da importância de se incutir na educação dos miúdos estas questões, desde cedo. Da importância de se explicar o que é, o que deve ser, uma relação a dois, para que alicerces de funcionamento sólidos, os possam alinhar, sem desprimorar o respeito próprio, base primeira de tudo o resto e alicerce que segura tudo. Pois…

Alicerce é a fundação de uma edificação, ou seja, o elemento estrutural que recebe as cargas da superestrutura e as transmite para o solo, mantendo sua estabilidade.
(Definição simples de Alicerce, encontrada na Wikipédia)