O mundo continua afectado por um bicho que a todos condiciona, ameaça e amedronta. Os planos a médio e longo prazo deixaram de existir, porque de um dia para o outro, a notícia de que é necessário iniciar um isolamento profilático é uma realidade bastante próxima.

Apesar do rebuliço que anda à nossa volta, da impaciência geral que pulula na sociedade e do medo que o outro nos provoca por ser visto como uma ameaça, apesar de tudo isso é Natal.

Independentemente do elevado número de contágios diários, das mortes de anónimos ou de entes queridos, e do desespero que tudo isso pode provocar, mesmo assim é Natal.

Talvez não consigamos juntar a família toda na consoada, nem ter a melhor comida na mesa, todavia é Natal.

É-nos impossível ajudar tantas e tão boas causas que surgem em catadupa neste advento natalício, porém, independentemente de não chegarmos a tudo e a todos é Natal.

Há muitos velhos sozinhos, desprezados, abandonados. Sozinhos nos lares, nas suas casas, em casas de familiares e nas ruas, abandonados à sua sorte, à espera de um telefonema, de um abraço, de uma sandes. Mesmo assim é Natal.

Os refugiados continuam à procura de soluções viáveis para a sua existência, arriscando o pouco que têm no muito que podem perder. E a maioria perde tudo, até a vida. Estando este flagelo muito longe de ter fim, continua a ser Natal.

Quantas e quantas crianças foram abandonadas à nascença durante este ano? Quantas não têm o que comer, o que vestir e com o que brincar? Mesmo assim é Natal.

A maioria dos países, tem em marcha o processo de vacinação para que todas as pessoas possam receber a 3ª dose da vacina contra a Covid-19. Porém, muitos são aqueles onde o grosso da população nem a 1ª dose recebeu. Apesar destas desigualdades gritantes é Natal.

Por esta altura, muita é a caridadezinha praticada. Sim, aquela que é feita de cima para baixo, em que aquele que ajuda o faz com ar altivo. “Coitado/a, é Natal e toda a gente merece ter um pouco mais do que aquilo que costuma ter durante o resto do ano”. E dá-se qualquer coisa que nos sobeja, e a consciência fica limpa e tranquila até ao Natal seguinte. Apesar desta petulância é Natal.

Os jantares de Natal das empresas, ainda que timidamente, regressaram. A amizade parece ser tónica comum, a troca de prendas é sempre um momento aguardado e a festa prolonga-se noite dentro. Regressados ao trabalho, ainda em tempo de Natal, os rostos fechados permanecem, abrindo-se apenas para soltar palavras ásperas e arrogantes. Mesmo assim é Natal.

Independentemente da nossa condição social, da geografia, raça, orientação sexual, género ou credo, é Natal e continuará a ser, porque Aquele que nasceu no meio de animais, quis e quer chegar a todos através da Sua simplicidade e despojamento. Não é o Seu nascimento que resolverá todos os problemas milagrosamente. Mas, se os olhos de todos se dirigirem para o Presépio com humildade e ternura, talvez seja possível aprender os valores mais radicais e eloquentes, capazes de transformar o ser humano, e consequentemente a sua vida.

Será sempre Natal. Festejemo-lo de coração escancarado ao Menino, que se faz presente nas realidades mais cruas da existência que clamam pela construção de uma fraternidade sólida.

Um Santo e Feliz Natal!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia