Foto © Samuel Mendonça

O bispo do Algarve disse esta tarde que contemplar Jesus trespassado na cruz estimula a “abrir o coração aos outros, reconhecendo as feridas provocadas à dignidade do ser humano”.

“Impulsionar-nos-á, sobretudo, a combater qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar os dramas da solidão e do abandono que são as grandes chagas nos dias de hoje. E ao mesmo tempo a alargar o nosso horizonte a todo o sofrimento humano”, acrescentou D. Manuel Quintas na celebração da Paixão do Senhor a que presidiu na catedral de Faro.

“Hoje, ao contemplar Jesus crucificado estamos a contemplar todos os «crucificados» do mundo, todos aqueles que sofrem, vítimas de tantas situações, de tantos atropelos à dignidade humana, vítimas de guerras, de conflitos”, prosseguiu, lembrando o atentado de domingo passado no Egito a cristãos coptas e “tantos cristãos que não podem celebrar o Tríduo Pascal, precisamente porque são perseguidos”. “E são perseguidos porque são cristãos”, reforçou, lembrando que o papa participará no dia 22 deste mês em Roma numa vigília de oração tendo presente os mártires cristãos do século XX e XXI.

O bispo diocesano lamentou também o lançamento ontem pela Força Aérea norte-americana da bomba GBU-43 no Afeganistão, a mais potente das bombas não-nucleares, denominada como a “mãe de todas as bombas”, sobre a província montanhosa de Nangarhar, junto à fronteira com o Paquistão. “Como não ficar surpreendido com a notícia de uma bomba a que chamam «mãe» de todas as bombas? Isto é um contrassenso, um paradoxo. Como é que uma bomba pode ser «mãe»? Pela sua força destruidora é precisamente o contrário de uma mãe que é pela sua força, criadora. A mãe é sinal de vida, de alento, de acolhimento, de carinho. Como é que uma bomba pode ser «mãe», sendo sinal de morte, de destruição, de devastação, de miséria, seja qual for a razão e o fim?”, interrogou.

D. Manuel Quintas considerou que estas denominações servem “anestesiar” a “sensibilidade” e a “razão” da opinião pública. “São palavras que estranhamos porque por detrás delas não está a vida, está a morte, a destruição e o sofrimento”, observou.

No dia de Sexta-feira Santa, alitúrgico por ser o único do ano em que a Igreja não celebra a eucaristia, mas a Paixão e Morte de Jesus Cristo, imperam o silêncio, o jejum e a oração. A celebração desta tarde, centrada na adoração da cruz, nas igrejas com os altares desnudadas desde a noite de ontem, é uma espécie de drama em três atos: proclamação da Palavra de Deus, apresentação e adoração da cruz, comunhão eucarística.

Na catedral de Faro, a celebração da Paixão do Senhor iniciou-se, como acontece em todo o mundo, em silêncio, com o bispo do Algarve a prostrar-se diante do altar descoberto, e terminou também em silêncio.

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Foto © Samuel Mendonça

D. Manuel Quintas começou por explicar que depois de ouvida a palavra proclamada, “a atitude que deve prevalecer é, sobretudo, o silêncio contemplativo e orante”. “Somos chamados a fixar a nossa atenção e o nosso olhar de fé, o nosso coração, em Cristo crucificado para interiorizarmos quanto a proclamação da palavra, particularmente a narração da paixão do Senhor, nos sugere”, afirmou, pedindo que essa contemplação do “mistério supremo do amor e da vida” seja feita não como “espectadores”, mas como destinatários. “Jesus morreu na cruz por nós. Portanto, fazemos parte deste mistério do amor redentor de Cristo. Morreu por causa de nós e para nós. Amou-nos até ao fim. É esta expressão que ganha particular evidência e realismo na tarde deste dia”, evidenciou.

Lembrando que Cristo “morre de braços abertos para abraçar o mundo todo”. “Sentimo-nos abraçados por Cristo. Que ninguém se sinta excluído deste abraço de amor”, pediu, acrescentando que Deus anseia por uma resposta ao seu ato de amor. “É o próprio Deus que, na cruz, nos pede que acolhamos este amor. Ele tem sede de resposta ao amor com que nos ama”, afirmou, pedindo a todos que se deixem “atrair por este amor”, não se considerando “isentos e impermeáveis”, “dispensados” de serem amados por Deus e de corresponder a esse mesmo amor. “Nesta resposta vem o empenho de deixá-lo frutificar na nossa vida e à nossa volta. Aqui tornamo-nos já instrumentos difusores desse amor com que Deus nos amou na pessoa de Jesus, alargamos aos outros, através dos nossos gestos e das nossas atitudes, este amor redentor e rejuvenescedor”, sustentou.

O prelado lembrou ainda que do lado trespassado de Cristo “saiu sangue e água”, “fonte” dos próprios sacramentos do batismo e da eucaristia, do Espírito Santo e da Igreja. “Nascemos do lado aberto de Cristo”, salientou, frisando também que a Igreja hoje não celebra a eucaristia, mas apenas a distribui recordando que ela é dom de Cristo trespassado.

A celebração teve continuidade com a liturgia da palavra, constituída por um dos elementos mais antigos da Sexta-feira Santa, a Oração Universal, à qual é hoje dado igualmente particular relevo por refletir o caráter também universal da morte de Cristo. Composta por dez intenções, a oração procura abranger todas as necessidades e todas as realidades da humanidade.

Assim, esta tarde, para além de ter em conta “os que sofrem toda a espécie de tribulações”, rezou-se também pela Igreja, pelo papa, pelo bispo do Algarve e todos os restantes bispos, presbíteros, diáconos, pelos que exercem na Igreja algum ministério e todo o povo de Deus, pelos catecúmenos, por todos os que creem em Cristo, pelo povo judeu, pelos que não creem em Cristo, pelos que não creem em Deus e pelos governantes de todas as nações “para buscarem sempre a verdadeira paz e a liberdade de todos os povos”, “para que se fortaleça em toda a terra a prosperidade das nações, a segurança da paz e a liberdade religiosa”, para que Deus “livre o mundo de todos os erros, afaste as doenças e a fome em toda a terra, abra a porta das prisões e liberte os oprimidos, proteja os que viajam e reconduza ao seu lar os imigrantes desterrados, dê saúde aos enfermos e a salvação aos moribundos”.

Seguiu-se depois a apresentação e veneração da cruz realizada por uma fila imensa de fiéis, incluindo muitos estrangeiros, e a comunhão da eucaristia ontem consagrada. Os donativos entregues na celebração de hoje revertem em solidariedade para com as comunidades cristãs do Médio Oriente, a pedido do Vaticano.

Homilia do bispo do Algarve na celebração da Paixão do Senhor: