A Câmara de Lagoa consagrou o ano 2017 à temática do património e editou uma trilogia bibliográfica dedicada ao património histórico-cultural do concelho, tendo a última publicação da tríade,que tem como autor oinvestigador e historiador algarvio João Vasco Reis, sido apresentada no último sábado na igreja matriz de Porches.
Depois de uma primeira publicação sobre o património religioso concelhio, intitulada “Com os olhos no Céu: os Templos da Fé do concelho de Lagoa”, e uma segunda relativa às fortalezas e defesas marítimas do território histórico, denominada “Entre Muralhas e Vigias: castelos fortalezas e outros sistemas defensivos do concelho de Lagoa”, ambas apresentadas no último mês de setembro, a trilogiafoi agora encerrada com uma obra dedicada à azulejaria e iconografia religiosa com o título “Horizontes de Azul. Azulejaria e iconografia: registos de santos no concelho de Lagoa”.
A publicação elabora um levantamento dos registos azulejares de devoção popular presentes nas fachadas de edifícios do concelho. O também historiador algarvio João Chagas Aleixo – que apresentou a obra e a destacou como um “levantamento sistemático inédito, uma vez que não existe nenhuma publicação deste cariz no Algarve, quer no restante país” –, referiu que o autor considera que o trabalho deve ser encarado como “uma amostragem em função de um levantamento criterioso, metódico e exaustivo, mas não completo dos azulejos de santos do concelho de Lagoa”. O próprio João Vasco Reis reforçou na sessão tratar-se de “um trabalho incompleto e um pouco parcial”, mas, ainda assim, “um reflexo da realidade”.
Vasco Reis, que estabeleceu a relação entre azulejaria e iconografia, explicou que “a partir do terramoto de 1755, os pequenos azulejos populares começam a ser motivo de interesse do povo, de proteção contra todos os males”. “A temática religiosa, circunscrita de um modo geral ao interior das igrejas, saiu à rua e espalhou-se em pequenos registos ou painéis de devoção pelas fachadas dos edifícios como proteção para as grandes catástrofes”, escreve no livro, lembrando que as olarias de Lagoa que produziam os painéis de azulejos eram relevantes no tecido socioeconómico do concelho até à década de 1960. O autor contou na apresentação que a partir daquela data “há uma renovação e uma esperança” na olaria lagoense implementada por estrangeiros.
O apresentador João Chagas Aleixo, que destacou o autor com 32 obras publicadas desde 1993 como “um dos mais ilustres e distintos «lagoólogos», isto é, investigadores e especialistas na multissecular história do concelho de Lagoa”, referiu que o investigador fez um levantamento de 313 conjuntos de azulejos, agrupados em quatro grandes categorias identitárias: virgens ou invocações marianas (165), santos (71), santas (14) e outros registos (63) como o anjo da guarda, a Sagrada Família ou o Sagrado Coração de Jesus.
De entre a iconografia mais representada destaca-se a dedicada à Virgem Maria e, no contexto desta, a referente a Nossa Senhora da Conceição com 84 registos, seguida da que representa Nossa Senhora de Fátima com 56 registos. “Somente estas duas invocações marianas representam 45% do total de registos compilados na obra”, observou Chagas Aleixo. No campo dos mais populares, segue-se Santo António, 35 vezes representado.
A vereadora da Câmara Municipal de Lagoa considerou o “livro muito peculiar” com “um olhar muito para além dos temas sobre os quais se debruçam” as publicações histórico-culturais. “O nosso autor olhou para o povo e viu, efetivamente, aquilo que lhe vai na alma. E o que lhe vai na alma é algo que não ficou parado no tempo. Há uma continuidade e essa herança passou não só para nós, mas também para os que hão-de vir”, afirmou Anabela Simão, constatando que “as famílias continuam a ter os seus ícones [religiosos] em casa”.
A autarca, que desafiou ainda o autor para a elaboração de um “pequeno estudo” da Torre da Lapa ou Torre da Marinha –, uma torre de atalaia situada no concelho, referiu-se ao prefácio do livro assinado pelo presidente da Câmara de Lagoa. Francisco Martins considera o trabalho uma “verdadeira revelação da religiosidade popular algarvia em particular de Lagoa e do seu concelho”. “Uma tradição vincadamente portuguesa, símbolo secular de religiosidade do nosso povo, relegada geralmente para um plano menor, mas que o autor sobre redescobrir, interpretar e registar, valorizando este património disperso pelo território do concelho. João Vasco Reis revelou, com proficiência, na base do património identificar, ao longo dos tempos, os sentimentos das nossas gentes nas diversas sensibilidades e crenças, no que concerne à proteção divina, ao agradecimento ou ação de graças, por fé ou superstição, que exibem nas suas casas ou espaços privados e/ou públicos as intenções das suas devoções”, escreve o autarca.
Na sessão de apresentação, que contou com dois momentos musicais em marimba, protagonizados por João Pais, algarvio e professor nos conservatórios de Lagoa, Portimão e Vila Real de Santo António, João Vasco Reis disse que “foi gratificante ter feito este trabalho” sobre um “património muito peculiar”. “Espero que seja uma mais-valia para o concelho, para a divulgação e defesa da nossa história, do nosso património e da nossa memória”, concluiu.
O livro, de 170 páginas com chancela da Aradis Editora, pode ser adquirido por 20 euros na Câmara Municipal de Lagoa.