Realizou-se na passada sexta-feira à noite um debate em Faro sobre o tema “Legalização da Eutanásia em Portugal. De que falamos?”.
A iniciativa, promovida por um grupo de advogados e médicos, teve lugar no Hotel Faro e contou com a participação da coordenadora regional da Rede Nacional de Cuidados Paliativos Fátima Teixeira, do terapeuta de cuidados paliativos no hospital de Faro Humberto Oliveira e do advogado Jorge Leitão.
No encontro, sob a moderação de Teresa Correia, deputada da Assembleia Municipal de Faro, Fátima Teixeira referiu que o debate sobre a eutanásia é da sociedade e não dos médicos e alertou para o facto de a rede de cuidados paliativos não existir ainda com a cobertura nacional e os meios desejáveis. Aquela responsável, que já em 2016 defendia o investimento naquela especialidade em vez da legalização da eutanásia, lembrou que das cerca de 70.000 pessoas necessitadas, apenas 12.000 beneficiam dos cuidados paliativos, o correspondente a apenas 17%.
Por outro lado, lamentou existir ainda “muita desinformação sobre o que são realmente os cuidados paliativos”, lembrando ser uma “disciplina médica altamente especializada cuja formação é complexa e dispendiosa” e que “os doentes deveriam ser mais informados das hipóteses de sucesso de certos tratamentos fúteis ou desproporcionados” (distanásia) para, em consciência e liberdade, decidirem se querem ou não realizá-los.
Fátima Teixeira alertou para a importância da humanização dos cuidados de saúde e do acompanhamento e apoio do doente de cuidados paliativos e da sua família, tanto do ponto de vista clínico e social como do ponto de vista espiritual (que lembrou não englobar apenas aspetos religiosos), caso assim o deseje.
Aquela médica admitiu ser “trabalhoso falar com o doente” e que pode ser “mais fácil tratar apenas os sintomas físicos”, considerando que, nos cuidados paliativos, isso é “manifestamente insuficiente, sendo necessário fazer uma abordagem ao doente global e não apenas física”. No âmbito da sua experiência docente na Universidade do Algarve, referiu que o curso de Medicina é o único no país onde existe um módulo obrigatório de cuidados paliativos e que no hospital de Faro se está a tentar dotar os cuidados paliativos com uma unidade autónoma própria.
Questionada por um colega sobre a diferença que possa existir no respeito pela autonomia da pessoa que pede eutanásia por comparação à sua autonomia para comportamentos lesivos como o tabagismo, respondeu que o primeiro caso implica a colaboração de uma terceira pessoa, ao contrário do segundo caso em que não há colisão com a liberdade do outro.
Humberto Oliveira reconheceu a insuficiência do debate no seio da sociedade, apelando à intervenção junto dos deputados.
Aquele médico referiu que as pessoas que trata “não têm tanto medo da morte”, mas sim “do sofrimento e da solidão”. “Se nascemos acompanhados, devemos morrer acompanhados”, disse, alertando para a valorização na formação dos médicos da importância de saber cuidar o paciente, mesmo quando não é possível salvá-lo.
Por fim, referiu que os cuidados paliativos não começam apenas quando chega a fase terminal da doença, mas podem e devem começar “muitos anos antes”.
Jorge Leitão destacou que a vida é um “bem indisponível e inalienável, de natureza ética e fundamental” e que o texto da lei, pela sua indefinição, poderá conduzir a uma “caixa de Pandora” com “vários abusos como os que se assistem em países como a Holanda ou a Bélgica”.
O causídico explicou ainda que a discussão do tema da eutanásia não pode ter por base nem a democracia das sociedades – “que poderia, por absurdo, permitir a escravatura desde que fosse aceite pela maioria” –, nem mesmo a disponibilidade total de cuidados paliativos, se ela existisse.
No debate participado por estudantes, médicos, enfermeiros, psicólogos e advogados, o jurista abordou ainda a importância do testamento vital, como decisão ativa e prévia de cada pessoa de não querer ser objeto de determinados tratamentos.