Toda a criatura traz, gravada na alma e no espírito, a chancela, o selo do Criador. Dado que o primeiro Adão foram os primeiros indivíduos com capacidade de se relacionarem com os seus iguais e de se interrogarem e de criarem uma relação com o Ser, transcendente e amoroso donde, forçosamente, teriam emanado, desde essa insondável interrogação que o homem percorre um interminável caminho em busca da verdade. E, porque só Deus é Verdade, Aquele que é tudo em todos, enquanto os filhos de Adão habitarem a terra, andarão todas as gerações nesta aventura de descoberta. Incansáveis peregrinos "rumo à Beleza infinita". Este tema não se esgota, nem na teologia, nem na "cienciologia", nem na "raciocíniologia". Esse Deus-Verdade será sempre mistério. Um infinito mistério que, amorosamente e num permanente diálogo, Se vai revelando, àqueles que O procuram. Porque a Sua essência é Amor. Nesta teia de aventura, de busca, de verdade e de amor, estamos todos enredados. Quer queiramos quer não. Até os mais "empedernidos ateus" esbracejam o seu desespero nas malhas desta rede que não aceitam, mas que também não conseguem romper. No sufoco desta situação, desta marca de água e de fogo que os incomoda e confunde. Por, não querendo crer, sentirem no mais recôndito do seu íntimo, que toda a criatura, por natureza, tende genesicamente para o Criador.

A busca da verdade é um anseio de alma. E iremos aprendendo a verdade cada vez que ouvirmos alguém dizer à nossa volta "Foi esse Jesus por vós crucificado que Deus ressuscitou, do que nós somos testemunhas" (Act. 2, 32 e 36).

Claro que é preciso humildade para perguntar. Claro que é preciso humildade para responder. Maior humildade ainda para dizer "não sei, mas também eu ando à procura". Se assim for, estou certo que a "sabedoria das coisas de Deus", que é dom do Espírito Santo, virá iluminar o caminho.

Pois bem, já tenho sido personagem em situações destas. Frequentei há tempos uma acção de formação religiosa em que o formador debitava, lendo quase sem comentários, a sua lição. Umas quantas vezes, ao abrir-se uma brecha na oratória, interrompi-o, fazendo perguntas. As perguntas ficam para o fim, respondeu ele, e o tempo chegava ao fim, e não havia tempo para outro fim que não fosse mesmo o fim do tempo. Já quase a terminar o número de encontros agendados, avisou que o último dia seria inteiramente dedicado a perguntas e respostas. Mas esse derradeiro encontro foi apenas uma adenda aos anteriores, e não houve tempo para mais…

De uma outra vez, não quis perder a palestra de um credenciado orador. Julguei ir ouvir a permanente novidade da Boa Nova com a roupagem da linguagem actual de uma nova evangelização. Mas não ouvi nada de novo. E fiz perguntas. E não obtive respostas. Como se eu não tivesse falado ou ele não tivesse ouvido. Por fim, disfarçando quanto possível uma certa irritação, levantou da mesa as 689 páginas do Catecismo da Igreja Católica, virou-o para nós e, batendo com a mão na capa do livro, disse: Está tudo aqui. Não são necessárias perguntas. Estão aqui as respostas a todas as dúvidas.

E eu torno a perguntar – será proibido pensar, raciocinar, aprender, desejar aprofundar o mistério?

Apesar do negativo, há ainda quem revele a fotografia a cores e nos ofereça o positivo: o P. Vasco Pinto de Magalhães com mais duas pessoas, o P. Carlos Azevedo e o Henrique Manuel, difundiram, há anos, aos microfones da Rádio Renascença, um extraordinário programa intitulado "Conversas com… princípio, meio e fim". Essas conversas deram origem a um livro com o mesmo título, editado no Porto em 1997. Da pág. 75 desse livro transcrevo a voz do P. Vasco: "(…) não estamos aqui a dizer mal da catequese. A catequese tem o seu lugar, o que é pena é que, depois, não cresça. (…) Este recente Catecismo Universal (…) não é a única maneira de dizer as coisas, (…) Um catecismo é uma proposta pedagógica que se tem que entender. Mas, depois, não se pode ficar por ali! Há um primeiro patamar e, por isso, às vezes, o catecismo diz coisas que não fazem fé e não são necessariamente a leitura última das coisas".

Mais uma vez as palavras de Bento XVI: é preciso manter desperta a busca da verdade e "levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas".