Há tempos, num encontro de aprofundamento da fé, dirigiu-se-me uma senhora dizendo que estava muito confusa com o que ouvira dizer a um padre numa reunião de evangelização a que assistira. E, com toda a simplicidade e mágoa, desabafava: Sabe lá… estou muito triste!… Então eu, que desde muito nova rezo pelas almas do purgatório, que lhes peço a sua intercessão, e que até costumo mandar dizer missas pelas alminhas mais abandonadas, ouvi agora dizer ao sr. Padre franciscano que aí esteve pela quaresma, que o purgatório não existia!… Isto pode lá ser? Então e agora? Deixo de rezar e de mandar dizer missas?…
– Não deixa nada, respondi eu. A oração é sempre um tempo de entrega que nunca se perde, que é sempre aproveitado e recebido por Deus como acto de amor, amor de quem reza e de amor para com aqueles por quem se reza. Olhe: isto é um bocadinho confuso e não se pode entender assim de repente. É preciso lembrarmo-nos que, para Deus, não há tempo, não há passado nem futuro, é tudo presente. Porque Ele é eterno. E ser eterno é estar fora do tempo, não é imaginar uma quantidade astronómica de milhares ou milhões de anos, é ausência de tempo. Assim, "para Deus, na sua visão magnânima de tudo e com todo o tempo presente, a minha oração de hoje vale para as pessoas que já morreram. Para Deus é tudo presente". Isto é maravilhoso, e quer dizer que, quando eu rezo pelos meus pais, ou pelos meus avós que podia não ter chegado a conhecer, estou a rezar por eles no momento da sua agonia ou da sua morte. E as minhas orações e o meu amor actuam nesse preciso momento em que eles mais precisaram da graça divina, da misericórdia do Deus de Misericórdia.
De sinal em sinal, por este caminho de descoberta procuramos a verdade. E a verdade do purgatório tem muito que descobrir. A primeira pergunta que se põe é esta: há ou não há purgatório? Se há, o que é e para que serve? Se não há, para que foi "inventado" esse "lugar"? A sua existência ou não existência, que lugar ocupa na Igreja? Será das "coisas últimas" ou das "penúltimas"?
Entre dúvidas e sobressaltos, eu diria que é ainda anterior às "coisas penúltimas", até mesmo às antepenúltimas.
Procuremos definições, ensinamentos, razões: o Dicionário define purgatório como "local de expiação onde se purificam as almas dos que faleceram não completamente isentos de pecado, antes de poderem beneficiar da bem-aventurança eterna; local onde se cumpre pena ou castigo, local onde se sofre; sofrimento ou tormento constante".
Por aqui ficamos a saber, sem sombra de dúvida, que é um "local" – local de expiação, local onde se cumpre pena ou castigo, local onde se sofre um tormento constante…
O Catecismo da Igreja Católica (ed. de 1993), ensina que "Os que morrem na graça e amizade de Deus, mas não de todo purificados, sofrem, depois da morte, uma purificação (art.º 1030). E "A Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados" (art.º 1031). E, como prova de tradição, cita S. Gregório Magno (540-604) que, apesar de muito mais recuado no tempo, é muito menos "aterrorizador" ao dizer que "para certas faltas leves, deve crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo purificador". Não fala em local nem no castigo dos condenados…
Lembrando que as razões são fruto do espírito, porque, enquanto a alma é um princípio vital, o espírito é um princípio racional, comparemos agora estas definições e ensinamentos com as razões apontadas em "Conversas com…" o P. Vasco Magalhães, em 1999: "Somos ainda peregrinos. Ainda atravessamos o deserto. Ora, a travessia do deserto é o caminho de purgação de todo o egoísmo, estamos em estado de purgatório. É a nossa caminhada, é a nossa purgação. O purgatório é essa experiência, fantástica com certeza, de encontro com Deus. O purgatório é já a caminhada purgativa que vamos fazendo na vida. O céu não é um lugar, o purgatório não é um lugar. É uma experiência intensiva de verdade. É uma situação é um estado. A nossa eternidade será estar com Deus, não tem sítio. O purgatório não é uma alternativa, é a passagem para o céu. Sempre. A via é esta: estamos destinados ao céu, e ninguém chega ao céu sem se purificar".
Na sequência destas razões, e a confirmá-las, lemos agora, no DN de 13 deste mês de Janeiro, que Bento XVI diz que, "ao contrário da maioria dos católicos da época, Santa Catarina de Génova (1447-1510) considerou que o purgatório era um processo e não um local. Isto significa não se estar, necessariamente, perante um fogo externo, mas sim perante um fogo interior".
Esta é, de facto, a doutrina do Amor. E devemos aprender o Amor por este catecismo. Em busca da verdade. Na caminhada de purgação do nosso egoísmo. Porque, só libertos dele, chegaremos ao céu.