1 – As diversas formas usadas por Deus, para se dirigir aos homens, não têm como objectivo que Deus fique a falar sozinho. De facto, Deus não fala em monólogo, mas quer encontrar eco no coração dos homens aos quais se dirige de variadíssimos modos. Neste diálogo, porém, quem toma sempre a iniciativa é Deus que, ao tocar o coração do homem, espera deste uma resposta proporcional ao amor com que Ele próprio se volta para nós, seres humanos. Deus, contudo, não espera que uma criatura corresponda ao seu amor de Deus, infinitamente amoroso, pelo uso puro e simples das suas capacidades de criatura. Por isso, juntamente com a palavra dirigida à inteligência e à sensibilidade humanas, Deus concede a cada homem o dom de uma resposta digna do próprio Deus. Isso acontece pela fé que Deus dá, gratuitamente, às suas criaturas humanas. Por isso, quando, tocado pela palavra de Deus, o homem lhe abre o coração, dinamizado pelo dom da graça, estabelece-se uma aliança entre o Criador e a sua criatura, entre o Pai e os filhos que o próprio Deus gera por puro amor. É Deus que nos torna capazes de escutar a Palavra e de lhe responder na fé. Por isso, este exercício de escuta e resposta exige de nós muita humildade e oração.

2 – Por que nos fala para suscitar o diálogo, o nosso Deus, tal como não fala em monólogo, também não fala só para ter alguém que o escute. Ele fala-nos e deseja que nós falemos com Ele, porque, assim como sabe falar para nós, também sabe escutar a nossa linguagem, por mesquinha e limitada que ela seja. De facto, quando procuramos estar com Deus e prestar atenção ao que Ele nos diz no íntimo de nós mesmos, descobrimos, quase sem nos darmos conta, aquilo que nós somos verdadeiramente aos olhos de Deus, e, desse modo, encontramos as respostas de Deus para as perguntas mais profundas que afloram à superfície da nossa consciência iluminada pelo Espírito de Deus. É assim que os verdadeiros anseios, que nascem do mais profundo de nós mesmos, são iluminados e purificados. Mais: em certo sentido, eles começam a realizar-se aí, no momento em que os colocamos diante dos olhos de Deus e diante da nossa consciência.

O nosso Deus, de facto, não é um Deus alheio à vida e aos problemas da humanidade; muito menos, será uma ameaça para o homem. O que Deus quer de nós é que sejamos salvos, de modo integral. Cristo, com efeito, veio a este mundo para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância (Cf.Jo.10,10). O modo de proceder do nosso Deus para connosco nunca limita as nossas faculdades e da nossa realização pessoal; antes, se seguirmos o seu projecto e nos identificarmos com o seu plano, tornar-nos-emos plenos em tudo o que somos e realizamos. Deus não nos reduz, mas torna-nos mais homens, na medida em que, divinizando a nossa pessoa e os nossos actos, nos faz mais próximos dele e, portanto, mais plenamente homens.

Para que consigamos esta grandeza divina do humano, temos de escutar o que Deus nos diz, para que lhe respondamos, vivendo as propostas de vida que Ele nos faz ao dialogar connosco.
*bispo emérito do Algarve

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico