1 – Esclarecer o significado do texto bíblico, como Palavra de Deus para cada época histórica, é o objectivo de todo o trabalho interpretativo dos estudiosos da Sagrada Escritura, do sentir comum de fé do conjunto dos fiéis, sempre iluminados pela palavra «sábia» do Magistério da Igreja.

A este propósito, o Concílio Vaticano segundo deixou-nos preciosas indicações que importa ter sempre presentes:

Quem quiser e tiver capacidade para interpretar a Sagrada Escritura, deverá: 1º – procurar saber o que os Autores quiseram significar com o que escreveram; e o que Deus quis manifestar por meio dessas palavras e expressões usadas por cada Autor sagrado; 2º – ter em conta os diversos géneros literários pelos quais os Autores se expressam, e contextualizar as diversas passagens que se queiram explicar, tendo sempre presente que a Escritura deve ser interpretada no mesmo espírito com que foi escrita; 3º-Qualquer passagem da Escritura deve ser interpretada, tendo presente a unidade de toda a Bíblia;, deve ter presente o sentir comum da tradição viva da comunidade que a adopta como livro sagrado; deve, além disso, observar o princípio da analogia da fé, ou seja, a concordância de um determinado dado da fé com outras verdades, igualmente reveladas, situadas no seu contexto próprio.

2 – As três regras apontadas para a interpretação dos textos sagrados são essenciais, no seu conjunto, porque somente a observação desse todo é capaz de conciliar as técnicas bíblicas de interpretação com a ciência da fé, que é a Teologia. Se tivermos em conta apenas o primeiro e o segundo pontos dos três enunciados, corremos o risco de permanecer no passado, e, nesse caso, a Bíblia não interessaria para o nosso tempo. Além disso, se não houver, no nosso estudo, uma visão de fé bíblica, corre-se o perigo de secularizar a Escritura que é, essencialmente, um livro respeitante à fé e por isso não pode conhecer-se com um espírito laicista. Neste caso, onde iria parar a fé cristã? As consequências para a vida espiritual e pastoral da Igreja seriam fortemente negativas e abalariam o essencial do nosso credo. «Onde a exegese não é teologia, a Escritura não pode ser a alma da Teologia, e, vice-versa, onde a teologia não é essencialmente interpretação da Escritura, na Igreja, esta teologia já não tem fundamento» (Cf.Bento XVI, Insegnamenti IV/2 (2008), pág.493).

3 – Assim como a Fé e a exegese bíblica devem andar sempre de mão dada, em matéria de interpretação da Palavra de Deus, assim devem estar unidas e em concordância, a Fé e a Razão. Se pretendermos penetrar no seio das Escrituras pela luz simples da razão humana, corremos um grave risco, que é o de nos quedarmos em nós mesmos e nas nossas capacidades de penetrar no que está para além do âmbito estritamente humano. Vista pela simples razão, a Bíblia não passa de um conjunto de escritos de uma determinada literatura. Ora a fé que ultrapassa as fronteiras da razão do homem só pode ser devidamente entendida, se ao esforço da razão se acrescentar o dom da fé. Ler a Escritura só com a razão é reduzi-la a uma simples obra humana. Entender a Bíblia somente à luz da Fé, sem o auxílio da razão, é cair num «angelismo místico», sem base humana. Neste caso a Bíblia seria apenas para uns quantos «iluminados» e não para homens normais.

*bispo emérito do Algarve


O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico