É quando deixamos de ter algo que valorizamos o que temos. Esta premissa não sei se é só minha, mas é uma das poucas certezas absolutas que tenho na vida. Já passei por esta experiência em vários momentos.
Nunca olhei para a foto da minha família tantas vezes como quando vivi a 15000 Kms e a dois dias de casa, desde novembro de 2006 a agosto de 2007. Nunca tive tanta vontade de estudar e ler como a que tenho agora, em que o tempo de que disponho é tão reduzido, que nem para ler noticias desportivas, um passatempo de que muito gosto, disponho. Nunca tive tanta vontade de estar em casa como a que tenho hoje, porque a minha entrega e disponibilidade à Igreja exige uma oferta total às múltiplas funções que exerço. Nunca tive tanta vontade de estar fisicamente com os amigos como agora, que apenas nos podemos tocar digitalmente.
Esta premissa também se aplica à vida cristã. A eucaristia diária é uma bênção e uma grande necessidade. Mas talvez estivesse a ser demasiado banalizada por nós todos. Os cristãos leigos muitas vezes limitavam-se a um mero cumprimento de um ritual vazio – e digo-o porque alguns desabafavam comigo e eu tentava que esse facto deixasse de ser verdadeiro e estimulava-os a viver a partilha semanal do pão de outra forma. Via-se que um ato social de participação numa “missa de 7º dia” ou numa comunhão eram gestos feitos com um “à pressa”, para cumprir preceitos, às vezes determinado por algum diretor espiritual mais santo. E ainda assim, tantas vezes me apercebi de que era cumprido com escrúpulo, mesmo que se chegasse à eucaristia aquando da imposição das mãos do sacerdote na consagração eucarística. Até nós, presbíteros, quantas vezes celebramos a presença de Cristo com um sentimento de vazio, cheios de stress, da azáfama e da ansiedade impostas pelos múltiplos afazeres de cada dia? Se não for assim, serei eu, pequeno e pecador que sei sou, a ter celebrado muitas vezes com esse deserto dentro de mim, cheio de preocupações pouco espirituais e por isso peço perdão.
Nestes dois meses e meio, desde o dia 13 de março, celebrar a eucaristia diária com duas ou três pessoas fisicamente ao meu lado, mas muitos mais digitalmente presentes fez-me dar Graças a Deus com mais calma, serenidade e a Sua presença. Sentia a Igreja fisicamente vazia de pessoas, mas cheia com a presença de Deus concretizada no olhar de quem partilhava digitalmente comigo a sublime existência do Pai. Essa presença que se tornava muito comunitária e profundamente reconfortante nos muitos comentários, partilhas que pude acompanhar. Deus, como Ele mesmo disse, esteve no meio de nós, que nos reuníamos em Seu nome, mesmo que num ambiente que muitos gostam de chamar virtual, mas que não o é, porque o digital é um lugar, um espaço com características próprias, verdade, mas um espaço como qualquer outro, que também as terá.
Um dia, um colega presbítero, meu amigo, perguntou-me porque é que eu celebrava diariamente a eucaristia com presença digital. Eu respondi: para me autocontrolar. Para arranjar uma rotina e sentir que celebrava para quem verdadeiramente tinha fome de Deus, da Sua Palavra e do Seu Amor, como eu e sabia que encontrava naquele momento partilhando um valor muito grande em relação aquilo que é mais essencial na vida de um cristão. O essencial, que só tem um nome, que só tem um mandamento, que só tem um caminho: Deus.