Foto © Samuel Mendonça
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O cónego Joaquim Nunes denuncia que na discussão que se tem vindo a fazer sobre a eutanásia se está a tentar convencer a opinião pública da necessidade da legalização, fazendo crer que se trata de “dar a morte” por pretensa “compaixão”.

“Na discussão em curso prevalece o sentido de dar a morte por «compaixão» – é assim que se «doira a pílula» – para eliminar os sentimentos extremos, evitar às crianças anormais, aos incuráveis, aos doentes mentais o prolongamento de uma vida penosa, talvez por muitos anos, que poderia trazer encargos pesados quer à sociedade, quer às famílias”, lamentou o sacerdote no colóquio promovido no passado dia 24 de maio pelo núcleo algarvio da Associação dos Médicos Católicos Portugueses no auditório do hospital de Faro, considerando que o critério passa por convencer da “bondade por via da utilidade” do ato.

A iniciativa, que contou ainda com a participação de José Mário Martins, médico estomatologista e presidente da Associação da Medicina de Proximidade, e de Fátima Teixeira, coordenadora da equipa de apoio em cuidados paliativos do Agrupamento de Centro de Saúde Sotavento, procurou fazer uma abordagem médica e religiosa àquele tema.

Foto © Samuel Mendonça
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Sublinhando o que disse Fátima Teixeira, o orador considerou que “as súplicas dos doentes muito graves que, por vezes, pedem a morte, não devem ser compreendidas como expressão de uma verdadeira vontade de eutanásia”. “Nestes casos são quase sempre pedidos angustiados de ajuda e de afeto”, sustentou, considerando que “a dor física é, certamente, um elemento inevitável na condição do homem”.

O cónego Joaquim Nunes disse ser “imperativo do homem e do cristão afirmar com firmeza e coragem, uma vez que nada nem ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente seja em qualquer idade ou estado da sua vida”. “Trata-se de uma violação da lei natural como uma violação da lei divina, uma ofensa à dignidade e à verdade da pessoa humana, no fundo um crime contra a vida, um atentado à humanidade”, sustentou.

Considerando a eutanásia como um “acontecimento que tem a ver com a dureza do coração humano”, o conferencista defendeu que “a vida humana é o fundamento de todos os bens, a fonte e a condição necessária de toda a atividade do homem e da convivência social”. “A maior parte dos homens em todos os tempos e lugares, sobretudo na nossa civilização, considera que a vida tem um caráter sagrado e admite que ninguém pode dispor dela a sua belo prazer”, afirmou, explicando que “os cristãos veem nela também um dom do amor de Deus com uma missão a cumprir” porque têm a “responsabilidade de a conservar e de a fazer frutificar”.

“Ninguém pode atentar contra a vida de um homem inocente sem, com isso, se opor ao amor de Deus, sem violar um direito fundamental que não se pode perder nem alienar, sem cometer um crime de extra gravidade. Em termos da moral cristã, um pecado”, complementou, aludindo ao “dever de conformar a vida com a vontade do Criador”. “Isto é, sobretudo, determinante para a coerência de vida de um cristão. Neste contexto não é de estranhar que a morte voluntária, o suicídio, seja tão inaceitável quanto é o homicídio porque constitui uma recusa da soberania de Deus e do seu desígnio de amor para cada um de nós”, acrescentou.

Apresentando o enquadramento da eutanásia ao longo da história, desde a Grécia, passando por Platão, Pitágoras, Aristóteles, Hipócrates, todos “radicalmente contra”, o sacerdote afirmou que “o progresso da consideração da dignidade do ser humano na sua totalidade é um sinal valioso para apreciar o avanço civilizacional e a qualidade humana de uma cultura, como de uma civilização”.

O orador regozijou-se que ao longo dos tempos tenha havido “um progresso que se afasta da dureza das práticas iniciais com o atirar fora das crianças mais ou menos defeituosas ou que não se aceitam ou o também «deitar fora» (embora de outro modo) os velhos ou aqueles que estão numa situação de doença que ao tempo não tinha futuro”.