Na passada semana, além das habituais e aborrecidas notícias sobre a covid-19 que diariamente nos assolam, um pouco por todo o Mundo, e, concretamente no nosso país, existiram uns laivos de histeria dentro do seio católico e não só. A razão: o facto de o Papa Francisco defender leis de união civil para pessoas com orientação homossexual, criticando a sua discriminação. Os arautos da verdade, e guardiões do depósito da fé, sentiram-se incomodados com tal coisa, pois todas as vezes que Francisco fala, julgam que se trata de proceder a alterações à doutrina da Igreja. As palavras proferidas pelo Papa fazem parte de um documentário a estrear no Festival de Cinema de Roma, onde ele critica o afastamento de pessoas com orientação homossexual de suas casas e respectivas comunidades. Do outro lado, viram-se aqueles que gostam de um bom tema para terem uns minutos de fama por essas redes sociais fora, a mencionarem o assunto, tentando enviar farpas aos que apelidam de conservadores, que julgo serem os que olham mais à lei do que à pessoa. Sucintamente isto define-se como algo absurdo.

Em primeiro lugar, refira-se que Francisco não se pronunciou através de um documento oficial, mas na sequência de um documentário, logo, como é lógico, aquilo que refere, não é absolutamente nada que vá contra a doutrina católica. Ela não mudou, nem há qualquer tipo de confusão. O que o Papa defende é a existência de leis capazes de proteger estas pessoas. Escandaloso seria não o fazer, sendo ele quem é. Assim, o que pede e defende é que as pessoas com orientação homossexual sejam acolhidas, respeitadas e amadas naquilo que são e têm. Trata-se de colocar em prática o Evangelho. Não se trata de mudar a doutrina, mas de mudar as atitudes, porque tal como um dia Francisco disse, “quem sou eu para julgar?”

É claro que a discriminação ainda persiste em muitas bandas e dentro dos mais variados sectores. Todavia, encarnar o Evangelho é contribuir para a integração de todos sem olhar à raça, à cor, à orientação sexual, ou ao género, mas olhar cada um como um irmão que comigo partilha a mesma humanidade. É isto que o Papa nos quis e quer recordar, e fá-lo de forma clara e directa, porque sabe que muitos são aqueles que ainda hoje vivem o calvário da discriminação e do desprezo dentro da própria família. Há gente a viver num profundo drama, que não necessita do nosso dedo apontado nem precisa que os deixemos à margem, mas grita interiormente para os acolhermos e com eles fazermos caminho. Esta é a Igreja em que eu acredito. Esta é a Igreja que Jesus quis e deseja que sejamos, e esta é a Igreja que eu quero ser, e à qual quero pertencer. Uma Igreja que olhe apenas à lei, e com uma triste tendência ancestral de se querer meter na cama das pessoas, não está a humanizar. A lei deve estar ao serviço do homem e não o homem ao serviço da lei. E não se trata de relativizar a lei, mas de a aplicar com justiça.

Francisco tem-nos recordado as atitudes que um cristão deve ter, tal como nos tem mostrado os valores evangélicos que devem guiar a Igreja, daí que, a histeria que se viveu à volta disto, seja desnecessária na medida em que não nos foi dito nada de novo. O Papa recordou-nos simplesmente que devemos colocar em prática o Evangelho com a própria vida, enquanto Palavra de Amor que acolhe, cura e liberta. É assim que Jesus procede com cada um de nós, e é deste modo que a Igreja é continuamente chamada a ser.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia