Padre Miguel Neto

Neste tempo de Quaresma muito falamos, nós cristão, do jejum. Mas o que me parece é que, muitas vezes não sabemos bem do que nos devemos afastar, para que o nosso coração fique verdadeiramente preparado para viver a Páscoa do Senhor. Sim, porque jejuar é precisamente um rito de purificação, um ato de amor que nos leva a aproximar de Deus e que nos permite entrar na esfera do Seu Amor, cumprindo aquilo que ele mais nos pediu que cumpríssemos: que nos amassemos uns aos outros como verdadeiros irmãos.

Purificar o coração será somente abstermo-nos de comer carne e de a comer em determinados dias? Não, naturalmente. Embora, jejuar também possa passar por ai, por não exagerar naquilo que se come, por não desperdiçar, pensando que outros no mundo têm fome. Não exagerar na comida, nos gastos com ela, não perder o controlo quando bebemos, não ser guloso na verdadeira e mais profunda aceção da palavra é um bom jejum. Mas purificar o coração exige muito mais: exige disponibilidade e entrega em todas as dimensões da nossa humanidade, para que a nossa relação com o mundo e com os homens melhore e, desse modo, a relação com Deus seja, ela também, fortalecida.

Nesta medida, tenho refletido (e propus a mesma reflexão aos meus paroquianos) sobre o que será o jejum para um cristão. As palavras do Padre João Aguiar Campos (postadas no Facebook a 6 de março, às 13h17) têm-me(-nos) ajudado neste caminho quaresmal, desafiando-me(-nos) a buscar dentro do coração o que nos pode realmente libertar, libertar os outros e criar, como diz este sacerdote, «um itinerário» de propostas claras e aplicáveis ao quotidiano.

Cuidar para que possamos convidar um colega de trabalho, um vizinho, alguém que nos aborrece para um café, não será jejuar? E arranjar tempo para cuidar dos que nos querem bem – família, amigos – guardando tempo do nosso dia para eles e deixando de lado trabalho, telemóvel, computador, televisão, para conversar e ouvir? Abandonar o pessimismo que «passou a morar no teu peito» e nos transforma num «profissional das lamentações», não é jejuar? Procurar ver nas nossas dores e dúvidas o rosto de outros que sofrem mais que nós e agarrarmo-nos aos dons que o Criador nos deu para os pôr ao serviço de todos não é jejuar?!….

Jejuar é, para mim, ser capaz de sair da minha “zona de conforto”, como agora se diz, para poder construir algo verdadeiro, algo assente no que é mais importante e perene: os nossos valores, a nossa fé, a nossa humanidade.

É caso para dizer: há jejuar e jejuar…. E fica também o desafio a todos – meu e do Pe. João Aguiar Campos: «se enriqueceram a lista, a Partilha quaresmal há-de iluminar-nos» e a Páscoa chegará com mais alegria aos nossos corações.