Foi apresentado no passado sábado em Loulé o último livro do cónego Carlos de Aquino, dedicado à poesia, intitulado “Dos Rostos da Casa – Atravessando Desertos”.
Na sessão, que teve lugar no Palácio Gama Lobo, o autor defendeu “ser urgente uma linguagem espiritual, uma poética da espiritualidade para homens novos e um mundo novo”.

“Este livro foi escrito no tempo em que todos fomos confinados a um isolamento obrigatório forçado, um inesperado tempo de calamidade, mas também um surpreendente e desafiador tempo de kairós, que é um tempo decisivo, oportuno para o encontro connosco mesmos, com a graça, o Espírito, tempo onde se a ouvia muitas vezes dizer «tudo vai ficar bem melhor», no qual também eu me perguntei muitas vezes: «Que melhor esperamos? Que melhor virá? Como nos visitará esta graça em vidas profundamente marcadas por tantas desgraças? Que sentido, afinal, tem a vida? Para onde vamos? Para quem vamos? Com quem vamos?”, contou o sacerdote da Diocese do Algarve.

“E foi assim, no pulsar de um longo período onde experimentámos a nossa frágil condição de criaturas e a nossa vulnerabilidade (tempo que ainda não vencemos), em que se agigantaram tantos medos e desejos, que procurei, também eu, não naufragar devorado pela ditadura do tempo a que também me havia acostumado, deixando-me habitar pela oportunidade de um momento também decisivo para a minha própria mudança e a busca de sentido. Agora diz-se resiliência”, prosseguiu.

O cónego Carlos de Aquino disse ter sido uma “oportunidade para reaprender tanta coisa, nem sempre valorizada em cada dia e que a memória, o silêncio e a solidão habitada facilitaram”. “Entre essas coisas mais significativas trouxe ao coração a vida, a casa, a família, um povo, uma comunidade, a cidadania, a humanidade, a fraternidade, a proximidade, a ternura, a fé, a esperança e o amor”, enumerou, acrescentando ter procurado “pensar a casa para lá de si mesma, das paredes, dos alicerces, dos quartos, dos espaços, daquilo que é a sua construção”.
O poeta aludiu à necessidade de perceber nos seus versos o sentido para onde sente que a humanidade caminha “e, sobretudo, um projeto de futuro, sabendo que ninguém é residente do espaço em que habita”.

Referindo-se à poesia, o autor considerou que aquela “pertence inteiramente ao sagrado”. “O seu espaço próprio é o transcendente, o divino, o inefável. Seduz-me acolher a linguagem poética como uma linguagem sagrada. A poesia para mim é evocação e revelação, por isso ela é o último reduto do humano capaz de conduzir a esse estabelecimento diante do mistério e da realidade das coisas que permanecem sempre em aberto. A poesia, ao fazer emergir a realidade, transfigura o universo. Os versos libertam as coisas, ainda que no jogo do fingimento, mas nunca imergidos na mentira”, afirmou.
O escritor disse ainda que se escreve poesia “para habitar o silêncio, como quem ora”. “Escreve-se poesia para habitar a verdade, a transparência, a luz, a liberdade. Por isso, a poesia é a arte de resistir ao tempo”, acrescentou, citando Tolentino de Mendonça. “Um dia dirão se sou ou não poeta. De poucos, na verdade, se pode dizer que o foram e que o são, fazendo justiça ao nome. Eu apenas desejo aprender esse ofício pelo qual procuro dizer da minha sede, da fonte da minha vida, da minha alegria e da minha felicidade. E faço-o deste jeito tão espiritual porque sinto que a vida não é apenas horizontal. Não somos apenas matéria. Aprendemo-la também na verticalidade. Habita-nos também um sopro, um vento, um hálito, um espírito que nos faz viventes. Somos também divinos. Isso desejo dizê-lo por palavras timbradas por essa presença que para mim é fonte, sentido e horizonte da qual me sustento”, prosseguiu.

Sandra Moreira, que apresentou a publicação, disse ter encontrado nela “uma procura de sentido”, um “jogo que envolve o silêncio e a palavra”. “O eu poético de Carlos de Aquino aponta-nos um caminho”, reforçou, acrescentando que a publicação “vive desta partilha entre o eu poético de Carlos Aquino e o espírito e o corpo que se sintetizam neste encontro entre o silêncio e a palavra, uma presença que é feita de realidade e de quase corporeidade do Espírito de Deus que é maior e que está junto do eu poético em cada palavra, em cada escolha do que profere, às vezes por oposição ao silêncio, outras vezes porque o silêncio também comunica, porque os silêncios também falam”. “E esse Deus, feito de silêncios e de palavras, revelado nesta obra, mora afinal em nós que somos a sua casa antes da morada eterna”, sustentou.

Dália Paulo, que assina o prefácio da obra, considerou que os “poemas depurados” “convidam o leitor a repensar a vida”, “a sua transitoriedade, a necessidade de vários recomeços”. “A necessidade de estarmos atentos, implicados, a procura constante de ser melhor, a importância das raízes, do amor, da liberdade para garantir uma humanidade feliz, como um regresso a casa, a casa que não é a física, mas a casa-mundo, a casa que somos todos nós que a construímos”, clarificou, acrescentando que, para além do silêncio e da palavra, também “a liberdade está muito presente” na publicação. “Vê-se que estamos perante um homem livre que quer que todos sejamos livres para sermos felizes, para construirmos um mundo melhor”, concluiu.
A sessão contou ainda com a atuação do Ensemble de flautas de Loulé, composto por alunos da Banda Filarmónica e também do Conservatório de Música de Loulé.
A obra, publicada pela editora ‘Cordel d’Prata’, tem 130 páginas e está à venda pelo valor de 15 euros.