O mês de fevereiro é anualmente sinónimo de voluntariado universitário missionário por todo o país. Na região algarvia, 36 estudantes maioritariamente da Universidade do Algarve (UAlg), e ainda de outras faculdades de Portugal, também voltaram a ousar trocar a semana de descanso na interrupção letiva entre semestres para abraçar a ‘Missão País’ que os levou de novo ao concelho de Alcoutim, de 4 a 12 deste mês.
A experiência – onde o serviço aos outros, ao bem comum e à comunidade se mistura com o aprofundamento da fé, tornando-se oportunidade de partilha e de encontro – marcou não só a população, mas os próprios voluntários que a levaram a cabo desde 2020.


“Levamos desta experiência ensinamentos para a vida”, garantiu ao Folha do Domingo Tiago Bernardo, um dos chefes gerais da edição deste ano. “Sentimos todos que transformou a população que cá vive e também nos transformou a nós durante estes três anos em que cá estivemos”, completou Carolina Germano, a outra chefe geral.


Aqueles responsáveis realçam a realidade que encontraram com “uma população muito idosa, muito envelhecida não só nas casas, mas em toda a estrutura social”. “Sente-se muito a necessidade de as pessoas estarem com estes jovens”, acrescenta Tiago Bernardo, constatando que a comunidade foi diminuindo ao longo dos últimos anos. “Uns faleceram e outros foram para o lar”, lamenta, confirmando as caraterísticas daquele que é um dos concelhos mais envelhecidos do país.


“Infelizmente foi o último ano, mas partimos com a certeza de que transformámos muitas vidas e que, principalmente os miúdos, vão ter uma visão diferente do que é a universidade”, refere, não descartando a possibilidade de uma próxima missão da UAlg fora do Algarve. “Há essa possibilidade, contudo a nossa região e a nossa diocese têm também muita necessidade”, adverte.


Madalena Barreto, 18 anos, estudante de Ciências Farmacêuticas na UAlg oriunda de Cascais e estreante na ‘Missão País’, considera que “o foco principal nas missões é fazer voluntariado”. “Mas a melhor maneira de o fazermos é com Deus, portanto isto é o melhor dos dois mundos”, acrescenta aquela jovem católica da paróquia de Carcavelos, garantindo que mesmo que o projeto não fosse católico participaria na mesma. Aquela universitária diz que o mesmo “superou” as suas expetativas “em termos de oração e mesmo de voluntariado”. “Senti que isto foi o início de uma etapa da minha vida porque agora quero chegar a Lisboa e ir fazer voluntariado todas as semanas para um centro de dia ou para um lar”, afirma a voluntária que considera participar em futuras edições.


Quem já não é estreante é Ana Paula Silva, 22 anos. A estudante de Farmácia na UAlg e oriunda de Évora Monte, concelho de Estremoz, participou em todas as edições realizadas em Alcoutim. “Tem sido uma experiência muito fantástica porque nota-se a evolução nas pessoas, na recetividade com os missionários e a própria adesão do Conselho às nossas atividades enche-nos o coração”, testemunha.


Sobre a importância pessoal da iniciativa, diz ter ajudado a fortalecer a sua relação com a paróquia. “Tem sido uma caminhada de fé com alguns percalços porque a adolescência faz-nos, por vezes, duvidar, mas tem sido uma caminhada desde pequena. Depois, com a entrada na universidade, houve algumas paragens também devido aos estudos, mas agora com a ‘Missão País’ sinto que houve uma reintegração e tenho voltado à minha paróquia, o que me deixa muito feliz”, conta, reconhecendo que o projeto tem ajudado a reforçar a caminhada cristã. “A missão, para quem sente que perdeu alguma fé, é ótima para reacender essa chama em Cristo”, remata.


Mas a ‘Missão País’ não se faz só de voluntários crentes. O projeto é ainda construído e reconhecido por outros jovens como uma oportunidade de crescimento pessoal interior. “Eu não acredito em Deus como a maioria dos meus colegas, mas para mim faz-me todo o sentido esta missão porque todas as pessoas que participam nesta missão saem daqui mudadas”, conta Sofia Gambôa, 19 anos, estudante de fisioterapia da UAlg.


Aquela missionária, oriunda de Loulé, que participou pela segunda vez na missão em Alcoutim, diz sentir-se bem mesmo nos momentos de oração. “Apesar de a maioria das pessoas estarem aqui e rezarem a Deus, quando o fazem estão a pedir o bem das outras pessoas. Eu não o faço para Deus porque não acredito – acredito numa outra força maior que não sei bem o que é que é –, mas saio daqui uma pessoa realizada e super feliz porque ajudei os outros. Se podemos ajudar os outros acho que faz sentido e adoro a ‘Missão País’ por isso”, declara, acrescentando que o voluntariado “é a principal razão” pela qual participa na atividade.


O sacerdote da Diocese do Algarve que acompanhou o projeto nos últimos dois anos confirma a transformação que tem acontecido nalguns dos participantes e que em determinados casos significou a aproximação à fé ou o seu revigoramento. O padre António de Freitas refere, nomeadamente, o caso de um elemento que decidiu iniciar o catecumenado que o leve a receber os sacramentos da iniciação cristã: batismo, primeira comunhão e crisma.


Aquele responsável diz que o acompanhamento de pessoas em condições tão diferentes em relação à fé não é difícil, mas “exigente”. “Vai havendo esta riqueza de partilha da fé de vidas completamente distintas, se calhar até com objetivos distintos na vinda para a ‘Missão País’, mas que depois, sobretudo pelo ambiente de oração e de celebração que vamos vivendo, acaba por atraí-los para o aprofundamento da relação com Cristo”, conta, explicando que “alguns pedem para se confessar, outros para falarem”.


Mas o sacerdote destaca também a importância do projeto para a Igreja. “Eles podem ser membros ativos da Igreja no próprio testemunho que dão na universidade. Poderem partilhar a fé nesse contexto pode ser, se calhar, o melhor serviço que prestam não só à Igreja, mas ao anúncio do Evangelho”, refere, considerando que a participação de estudantes que não são batizados e de “muitos que não estão habitualmente nas comunidades” comprova isso mesmo.


No dia em que esteve em Alcoutim, o bispo do Algarve disse-lhes que a sua experiência enriquece toda a diocese. “Sabermos na diocese que estais a fazer esta experiência a partir da nossa Universidade do Algarve é motivo de alegria, de regozijo e também de enriquecimento. E ao mesmo tempo de interpelação, de apelo a outros jovens”, afirmou D. Manuel Quintas, desejando que a experiência “continue nos próximos anos a partir da Universidade do Algarve”.


Ao Folha do Domingo, o bispo diocesano considerou que a “riqueza” daquela experiência está em passar-se “em ambiente universitário e não em ambiente próprio das comunidades paroquiais”. “Atinge destinatários que de outra maneira não teriam oportunidade de fazer uma experiência como esta”, explicou, sublinhando que a mesma ocorre “num momento muito importante para os jovens” em que estes estão a formar os seus valores.


A ‘Missão País’ é uma iniciativa universitária que começou com estudantes ligados ao Movimento Apostólico de Schoenstatt, com 20 jovens, em 2003, e que se organiza e desenvolve a partir de várias faculdades de Portugal. Nela participam jovens de todos os credos e também quem não professa nenhuma religião. São semanas de apostolado e de ação social que decorrem durante três anos consecutivos no período de interrupção de aulas entre o primeiro e o segundo semestres, divididas em três dimensões complementares – externa, interna e pessoal – em que o primeiro ano consiste no “acolhimento”, o segundo na “transformação e o terceiro no “envio”.
