A Diocese do Algarve e a Paulinas Editora apresentaram, no passado dia 14 de junho, o livro de criações musicais do monsenhor cónego José Pedro Martins que fazem parte da história da música sacra em Portugal no período pós-conciliar.

A apresentação da obra – cujo título “Meu canto é para Ti” foi aproveitado de uma das composições do autor – teve lugar no Seminário de São José, em Faro. A publicação, cuja proposta inicial era a de que incluísse 150 cânticos em quase 200 páginas, acabou por ficar com 400 por reunir 313 composições, representando, ainda assim, apenas cerca de um quinto da obra musical do sacerdote algarvio.

Na sessão de apresentação, outro dos nomes maiores da música litúrgica nacional que foi colega do monsenhor José Pedro Martins no Seminário dos Olivais, explicou que a criação musical que dá corpo à nova publicação surgiu na fase de aplicação da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II para preencher um “vazio que era enorme”.


“Tivemos de começar a musicar em português. Não havia nada. Havia alguns cânticos tradicionais que ainda hoje se cantam, mais devocionais a Nossa Senhora, aos Santos e à Eucaristia, mas para o ordinário da Missa precisávamos criar músicas que não havia”, contextualizou o monsenhor António Cartageno, explicando que teve então início uma “parceria” que se estendeu por 1969 e 1970. “Há muito cânticos que ele compôs, outros que eu compus e outros que compusemos os dois”, completou, referindo-se à “aventura” de ambos de contribuição para a música sacra em Portugal, concretamente com a edição dos cadernos que tiveram como título “O Povo de Deus reunido”.


“Boa parte dos cânticos que figuravam nessas publicações serviram bastante bem a liturgia nessa época, primeiro nas comunidades ribatejanas para onde foram criadas e, mais tarde, para todo o país, pois os modestos caderninhos tiveram um êxito assinalável com alguns cânticos que, tendo resistido à erosão do tempo, ainda hoje servem e figuram em coletâneas oficiais”, desenvolveu, enumerando todas as publicações do Secretariado Nacional de Liturgia que incluem músicas do monsenhor José Pedro.

O monsenhor António Cartageno considerou o colega “um homem culto e multifacetado”. “A música é uma das importantes facetas da sua rica personalidade e da sua vida de padre. Ele tem intuições musicais muito interessantes, próximas do sentir do povo, e as suas melodias revelam um espírito de grande musicalidade. Ao longo da sua vida ele tem sabido pôr ao serviço da Igreja e da comunidade humana este maravilhoso dom”, prosseguiu, lembrando “quanto a cidade de Faro lhe deve nas iniciativas, por exemplo, de arranque do Coro do Conservatório [Regional do Algarve] que ele próprio dirigiu”.


O padre Pedro Manuel, que trabalhou na coordenação da publicação juntamente com os padres António de Freitas e Vasco Figueirinha, lembrou que a mesma reúne a “herança” que o autor “foi partilhando com a Igreja” ao longo de “pelo menos 50 anos” e compondo “ao ritmo da liturgia e da necessidade”. “Para muitos de nós padres, o padre José Pedro constituiu um incentivo duplo no testemunho de amor à Igreja diocesana e à música litúrgica. A nossa missão e doação pastoral seriam seguramente diferentes se não tivéssemos recebido dele o que recebemos”, afirmou.

O padre Pedro Manuel explicou que a ideia da edição da obra – estimulada pela iniciativa de um grupo de seminaristas da altura que, há cerca de 12 anos, “tiveram a ousadia de colocar no YouTube” algumas das músicas do monsenhor José Pedro Martins – foi proposta em 2020 por si e pelo padre António de Freitas ao bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, e ao autor, aquando da celebração das suas bodas de ouro sacerdotais.

Aquele coordenador da publicação testemunhou ainda o “desafio maior”, “verdadeiramente épico”, que foi “perceber o que deveria e poderia ser publicado”, tendo em conta as opiniões do próprio autor e a sua e aquilo que acabou por sair à estampa. “O padre José Pedro é um artista insatisfeito. Foi alterando, corrigindo, mudando e alterando novamente, o que tornou o trabalho triplamente lento e por vezes inglório. Hoje percebo que ele tinha uma intenção. Era necessário que ficasse o essencial. E eu creio que podemos dizer que o essencial ficou”, constatou sobre a obra que contou com correções feitas não só pelo autor e por si, mas também pelos padres Vasco Figueirinha e padre Getúlio Bica.
O sacerdote, que agradeceu ainda ao monsenhor António Cartageno e ao cónego Carlos de Aquino pelos textos introdutórios que fundamentam a publicação, disse que o autor “deixa neste livro uma oferta de humildade”. “Era preciso redimir o que o «calor» de alguma época da história tinha feito nascer de uma maneira e não de outra. Por isso, encontramos algumas músicas com algumas ligeiras alterações na letra e no sentido da letra. Compreendidas aquando da sua composição como resposta a uma situação foram agora adaptadas a uma nova leitura dos tempos atuais”, justificou, considerando que “o padre José Pedro compunha para a vida, daí a simplicidade imediata de tantos cânticos”. “Esse foi o seu dom. Esta é a sua obra. Não sabemos se o tempo chegou ao fim, mas sabemos que é Cristo quem vem salvar”, concluiu o padre Pedro Manuel, lamentando a ausência do autor por motivo de doença: “Não posso deixar de referir como «espinho» o facto do padre José Pedro não estar aqui. Como ele gostaria de estar… na sua postura simples de quem não demonstrava grandes euforias ou afetos, estaria aqui feliz, provavelmente com o sabor do dever cumprido. E eu arrisco a dizer: Está! Está, padre José Pedro! O dever está cumprido porque o seu canto foi sobretudo, sempre, para Ele”.


A diretora da Paulinas Editora lamentou não ter podido concretizar a apresentação da obra com a presença do autor. “Acredito que ele está presente. Tenho a certeza que ele percebeu que este era o seu livro”, afirmou a irmã Eliete Duarte, referindo-se à visita que lhe fizeram antes da apresentação da publicação.


O bispo do Algarve também considerou a impossibilidade de participação do homenageado, devido à sua “situação frágil”, “uma ausência que é presença”. “Embora esteja ausente, temo-lo aqui connosco”, afirmou D. Manuel Quintas, referindo-se ao monsenhor José Pedro como “alguém a quem a diocese muito deve”. “Eu próprio muito devo desde o primeiro minuto em que aqui cheguei, até a preparar a minha ordenação episcopal. A sua doação e entrega a todos os níveis, como vigário geral, vigário para a pastoral, na substituição de párocos”, sustentou.


D. Manuel Quintas disse ser preciso agora “divulgar e desfrutar deste livro”. “É uma grande ajuda para as nossas liturgias. Cânticos e letras que nos ajudam a rezar. Que todo este esforço, unido a este património que o cónego José Pedro nos deixa possa continuar a enriquecer-nos pessoalmente e, sobretudo, como Igreja diocesana”, desejou naquela sessão que contou com a atuação do coro de câmara da Sé de Faro, ‘Cantate Domino’, que, sob a direção do maestro Rui Jerónimo, interpretou quatro temas compostas pelo homenageado: “Senhor, Tu me chamaste”, “Quem vos escolheu, Rainha dos Céus?”, “Deixo-vos a Paz” e “Meu canto é para Ti”.


O monsenhor cónego José Pedro Martins foi acometido de um AVC a 17 de julho de 2023, tendo posteriormente recuperado significativamente com ajuda médica desse acontecimento, mas a 22 de abril deste ano sofreu um novo episódio que o deixou mais debilitado. Depois de algumas semanas de tratamento em internamento hospitalar, desta vez mais prolongado, foi acolhido no lar do Centro Paroquial de Santa Bárbara de Nexe, uma das paróquias onde é pároco.