(sobre saúde mental)

Dizia-me que lhe começou a notar com frequência, um nervoso miudinho. Uma perna que não parava de abanar quando estava sentado, uns assuntos variados e frenéticos que saltavam entre si, aparecendo e fugindo da conversa antes de estarem acabados, uma agitação constante, uma falta de apetite e uma apatia social, alterações no sono, um olhar sempre fugidio, um não-sei-quê de inquietação, sem saber identificar de onde vinha. E uma culpa. Uma culpa de se sentir assim, acompanhado de um “porquê” gigantesco: porque haveria de se sentir desta forma se não tinha, não havia, motivos racionais, objetivos, factuais para isso? Tinha tudo para estar bem. Tinha saúde, trabalho, amigos. Era bem parecido e amado por muitos, era uma pessoa agradável e afável também no trato. Tinha uma vida pela frente e muita margem para projetos e ideais. Mas não estava bem, não se sentia bem, o buraco que tinha no peito, não se enchia de ar quando respirava, parecia que se esvaziava como um balão vazio que estava roto e que salpicava o ar com o espirro do sopro… E ela, como mãe e mestre de uma intuição, daquelas que só as mães têm, a aperceber-se que sim, que isto vinha de há muito. Aquele filho não estava feliz e ela sabia-o. Sabia descrever os seus sintomas e conhecer-lhe a tristeza no fundo do olho. A sombra que lhe chegava, quando nada o fazia prever. O tom de voz que se alterava e aquela mágoa em busca da causa. Aquele porquê engasgado, que não chegava a sair em forma de voz e que ficava só a pairar no olhar e na expressão, que ela, mãe, decifrava desde logo.

Ao partilhar isto comigo, pensei na fórmula mágica de adivinhação que as mães têm e que me espanta sempre, mas pensei sobretudo, na importância da saúde mental e nas bases primeiras e fundamentais para uma boa saúde mental. Pensei, entre outras coisas, na importância das emoções para a formação da personalidade humana. Na necessidade de se falar nelas, de as pôr na vida de cada dia, de as decifrar e enquadrar, fazendo-as existir, sem serem reprimidas, fazendo-as notar-se, fazendo-as definir momentos e episódios e pondo-as em igualdade e com o mesmo peso que as maleitas físicas, que os sintomas biológicos e que as doenças do corpo. Pensei na necessidade de, desde cedo, ensinar os miúdos a decifrarem as emoções, aquelas que dão alegria, mas também a tristeza, o riso, mas também o choro, a gargalhada, mas também a lágrima, a conquista e a perda, a vida e a morte. Pensei sobretudo na importância de se ensinar a falar de si, das suas coisas, dos seus medos e fantasmas e mesmo daquelas coisas que não se sabem explicar muito bem, mas que estão cá dentro, desordenadas e que afetam um equilíbrio que se quer. Pensei na importância de se dizer aos miúdos que há o físico, mas também há o mental, o emocional, o espiritual e que só se todos estiverem bem e a todos dermos valor é que estamos bem e completos. Pensei na hipervalorização que se dá a umas vertentes, em detrimento das outras e nos efeitos nefastos que isso pode ter, resultando em adultos analfabetos nas emoções, pobres na espiritualidade e assustados com tudo o que diga respeito a uma intimidade consigo próprios. É que, todos temos um mundo cá dentro. Só temos é de o conhecer e ordenar, para deixar de assustar.

Acho que hoje, me apeteceria ter dito tudo isto à minha amiga, mesmo que ache que ela, no fundo, também o saiba.