Qualquer cristão esclarecido, sabe que a celebração da Páscoa é a celebração central da sua fé. Saber isto de memória, ou porque ouvimos dizer tal coisa, não é sinónimo de compreendermos na sua essência, a importância de tão grandes Mistérios na nossa vida. Podemos sabê-lo na teoria, sem nunca experienciarmos na vida a intensidade dos Mistérios celebrados na Semana Santa, mormente no Tríduo Santo da Páscoa.

A palavra “tríduo” já nos sugere uma ideia de preparação, um tempo de cuidado e de espera de algo maior, capaz de nos transformar a partir de dentro. Porém, no Tríduo Pascal, não estamos a preparar a Páscoa, mas a vivê-la por etapas. O tempo de preparação foram os longos dias da Quaresma. Com o Tríduo Pascal, começamos desde logo, a celebrar a Páscoa do Senhor. Estes dias formam uma unidade, e devem ser considerados assim, porque é na sua vivência que acontece a totalidade do Mistério Pascal, que tem o seu cerne em Cristo. Ele que, quando alude à Sua paixão e morte, nunca as separa da Sua Ressurreição, de modo que, nos devemos sentir impelidos a celebrar cada um dos dias com toda a intensidade, sem a tentação de celebrarmos apenas em Sexta-Feira Santa a morte do Senhor, ou, no Domingo, a Sua Ressurreição. É na celebração completa do Sagrado Tríduo, que compreenderemos e experienciaremos as várias etapas do Mistério Pascal, distendidas por cada um dos dias.

Imaginemos uma peça de teatro composta por três actos. Se entrarmos na sala de espectáculo durante o segundo acto, ou até mesmo no terceiro, se nos contarem bem o que se passou anteriormente, poderemos até compreender e ficar a conhecer o que lá se passou, porém, não fizemos a experiência de ver e sentir as emoções daí emanadas. Não sendo o Tríduo Pascal um teatro, trata-se de uma analogia, para compreendermos que a celebração de cada um dos dias, revela-se vital, para que experienciemos na nossa história cada etapa deste Mistério. Não como no teatro, procurando sentir emoções, mas, indo além disso, comprometendo-nos com Ele. Não o fazer, fará com que essa vivência seja incompleta.

Iniciando-se o Tríduo Pascal na Quinta-Feira Santa, com ela celebramos a noite em que Jesus entrega aos discípulos, e a cada um de nós, o Mandamento Novo do Amor, traduzido em serviço, que ganha total expressão, no gesto do lava-pés.

Há uma grande tensão nesta noite. Desde cedo, paira no ar a dúvida sobre quem é que entregará Jesus? Ele sabe perfeitamente quem o fará, mas prossegue a sua missão, mesmo perante um Pedro a dizer que jamais deixará que Ele lhe lave os pés (cf. Jo 13, 8a). Porém, é necessário que assim seja se ele quer tomar parte com Jesus (cf. Jo 13, 8b). Aí, Pedro, sem compreender ainda o que Jesus fazia, pede-lhe que lhe lave não só os pés, mas também as mãos e a cabeça (cf. Jo 13, 9). E como é fácil revermo-nos em Pedro e nas suas atitudes, concretamente nesta sua vontade. Quantas vezes queremos que o Senhor toque e transforme a nossa vida, mas, de acordo com as nossas condições, dizendo-Lhe que não toque em muita coisa para não nos desarrumar a casa, que é o coração?

Se por um lado, pedimos-Lhe que desça à nossa existência, por outro, não podemos colocar proibições em certas portas que não nos dá jeito serem por Ele abertas, porque, sabemos que onde o Senhor toca é sempre para mudar, para transformar, e o nosso comodismo, por vezes, fala mais alto, daí que nos sintamos tentados a colocar entraves.

Em dia de Quinta-Feira Santa, podemos pedir a graça de escancararmos o coração ao Senhor, a fim de que seja tocado e purificado, para sermos capazes de servir com mais qualidade.

A Sexta-Feira Santa é um dia denso. Somos insistentemente convidados à penitência e ao jejum, tendo no centro a Cruz, tal como nos revela a Celebração da Paixão do Senhor.

É um dia doloroso. Acompanhamos Jesus até ao Calvário, sentimos a Sua dor, meditamos na Sua morte redentora, observamos uma tentativa de Pilatos em libertá-Lo, que logo se revelou fracassada (cf. Jo 19, 12), e sentimos a angústia da tríplice negação de Pedro (cf. Jo 18, 17.25.27), que nos remete para a chamada tríplice reabilitação no amor, que é o diálogo de amigos, entre Jesus e Pedro, onde Jesus o questiona sobre o seu amor por Ele (cf. Jo 21, 15ss). Pedro é talvez o discípulo mais frágil. Muito voluntarista, mas, na hora da verdade, nega Jesus. E mais uma vez temos em Pedro o nosso espelho. É espantoso como Jesus condeceu ao discípulo mais frágil, as maiores responsabilidades, convidando-nos a colocar os olhos neste homem e na história que foi escrevendo com ele, porque, se com as suas fraquezas Ele não o abandonou, a nós também não. Pelo contrário, o Senhor quer-nos sempre reabilitar. 

Ao celebrarmos a Paixão do Senhor, somos convidados a olhar a Cruz, altar do Amor Supremo, a fim de encontrarmos sentido para as muitas dores que nos assolam,  e que também são fruto das nossas traições. Sexta-Feira Santa é dia de Lhe entregarmos tudo o que precisa de morrer em nós, sem fugirmos à dor que daí brotará. Só assim valorizaremos e compreenderemos o que é a Páscoa.

Quanto ao Sábado Santo, é um dia dedicado ao silêncio. Dia para chorarmos as nossas perdas, as nossas mortes, para fazermos os lutos necessários, tal como Maria o fez, chorando a morte de seu Filho. Todavia, sabemos que a morte não tem a última palavra e que a nossa dor não será mais forte do que a alegria que virá.

Na noite de Sábado Santo, a Luz rasga as trevas para nos aquecer o coração e iluminar o caminho, a Vida derrota a morte, e, Aquele que morrera como o pior dos criminosos, ressuscita, mostrando-nos que o bem é mais forte que o mal.

Ao celebrarmos a Noite Santa da Páscoa, procuremos encontrar sentido para o que nos arrefece o coração e impede de amarmos e servimos. Olhemos o sepulcro vazio, sinal da Ressurreição do Senhor, sem nos preocuparmos com o tamanho dos nossos problemas, pois tal como as mulheres, que se preocupavam com o tamanho da pedra do sepulcro que teriam de remover, achando-se incapazes de o fazer, com o Senhor ao nosso lado, qualquer fardo, por mais pesado que seja, pode ser removido, para que com Ele, cantemos alegremente “aleluia”.

Uma Santa e Feliz Páscoa a todos!

 

Adriano Batista

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia