Padre Miguel Neto

Eu gosto muito de música. Não tenho gostos convencionais, sobretudo não tenho os gostos que serão, para a maioria, expetáveis para um padre. As músicas da minha vida garantem que tenho uma escolha variada de bandas, que incluem Radiohead, Arcade Fire, Pearl Jam, Blur, Nirvana, Red Hot Chilli Pepers, Chemical Brothers, Orelha Negra, etc.

Fui, ao longo dos anos, a vários festivais de música, daqueles que ao longo do tempo criaram um nome e uma identidade própria e que todos os amantes da música sonham em poder ver, pelo menos uma vez.

O cenário destes espetáculos é deveras único e faz-nos perceber o apelo de tais organizações: vive-se a utopia – não a de Thomas More, o humanista britânico dos séculos XV/XVI, que sonhou uma ma ilha-reino, onde existia uma Estado único e absolutamente perfeito no serviço total aos cidadãos, mas a do Olimpo, onde tudo é alegria e perfeição, música e dança, festa e convívio. E a utopia, nos tempos que correm, é mesmo esta, pois saindo destes festivais confrontamo-nos com a realidade pejada de roubos de paióis, incêndios mal explicados, campanhas eleitorais, obras intermináveis na 125 e até com os penaltis não marcados dos jogadores da seleção nacional.

E o mais interessante é que há festivais para todos os gostos e em todos os lugares: festivais de comida em parques públicos, festivais de música do mundo, festivais de reggae em parques de campismo, festivais de música tradicional ou tecno, festivais à beira mar, festivais em cidades grandes e pequenas, festivais com muitos dias ou apenas algumas horas, festivais e mais festivais. E já nem falo dos sunsets/pores-do-sol, que são pequenos festivais e existem, também, para todos os gostos…

O Verão oferece uma enorme variedade de eventos, obrigando-nos a sair de casa e a aproveitar dias longos e quentes. E é esse verdadeiramente o espírito que nos é vendido pelos marketeers que preparam todas as campanhas: seduzem-nos e encantam-nos e fazem-nos querer entrar para esse reino utópico e esquecer o mundo por um bocado, um mundo onde há sempre Inverno…

Fica, todavia, um alerta: nestes momentos de aparente acalmia, nos quais migramos – pelo menos dentro das nossas imaginações – para sítios melhores, tudo continua a acontecer e é preciso que tomemos decisões, que continuemos a trabalhar, que façamos o que está ao nosso alcance para que o não tenhamos surpresas desagradáveis ao acordarmos da fantasia.
O Verão não deve ser de festivais… Ou melhor: os festivais é que são de Verão. Porque como na vida, não devemos ser apenas cigarras, nem tão pouco somente formigas.