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Conferência do Pe. António Manuel Martins.
© Samuel Mendonça

O padre António Manuel Martins disse hoje no simpósio sobre o Concílio Vaticano II que a Igreja Católica algarvia está a realizar em Faro, no salão paroquial de São Luís, com a participação de 250 pessoas, que aquela assembleia magna dos bispos realizada entre 1962 e 1965, pôs em confronto dois “modelos de Igreja”: “um hierárquico, tridentino, e outro comunitário, de corresponsabilidade entre os diferentes fiéis, pastores, leigos e religiosos”.

O sacerdote, da docente da faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa em Lisboa, abordando o tema “A Igreja: natureza e missão”, lembrou que a Igreja começou a “compreender a partir, não da hierarquia, mas da comunhão que vem de Deus, e que o Espírito Santo assegura” na vida e consciência. “A exigência de uma renovação da Igreja fez com que os bispos começassem a fazer um discernimento coletivo de compreensão e de traduzir essa compreensão da natureza da Igreja, em texto que deu a Lumen Gentium (LG)”, afirmou, considerando aquela constituição saída do concílio como “talvez o documento principal de renovação conciliar”.

O orador lembrou que “a eclesiologia e a espiritualidade da ação católica nos anos 40 e 50 trazem uma nova consciência da Igreja, povo de Deus, comunidade dos fiéis, comunhão de batizados, que todos se encontram na mesma igualdade de circunstâncias como filhos de Deus, marcados pelo dom do Espírito [Santo]”.

Citando o número 8 da LG, o conferencista evidenciou que aquele acontecimento, o “maior” do século XX no contexto eclesial, “esclarece que a Igreja é composta por duas dimensões que nunca se podem separar”. “O Concílio Vaticano II procura fazer uma síntese entre as tradições da existência cristã: a dimensão interior espiritual e a organizativa, exterior, visível”, sustentou.

O orador frisou que se partiu “de um modelo de Igreja jurídico em que contava era o Direito Canónico, a disciplina, organização hierárquica (…), uma Igreja marcada pela sua força institucional e organizativa, fortemente concentrada nas rubricas litúrgicas e marcada por uma dimensão clerical”, procurando “pôr em contacto o mundo moderno com as energias vivificantes e perenes do Evangelho”. “Esse era e continuará a ser o propósito do concílio”, sustentou, frisando que a Igreja procura realizar-se numa “dupla fidelidade” à “Boa Nova recebida de Jesus Cristo e à vida concretas das pessoas”. “De vez em quando, a Igreja oscila entre tendências profundamente renovadoras e contemporâneas e ao mesmo tempo tendências profundamente conservadoras de quase uma fidelidade arqueológica ao passado. Nem uma coisa nem outra”, opinou.

Tendo destacado que se tem procurado “traduzir a renovação conciliar na vida das comunidades cristãs e na vida da consciência comunitária individual do povo de Deus”, o sacerdote afirmou que, “se calhar, um dos limites da Igreja pós-conciliar (…) foi uma forte centralização, tão grande que acabou por implodir a própria Cúria romana (…) com o sufoco tremendo na vida das Igrejas”. “É esta necessidade de respiração que se sentiu no fumo da capela sistina com a eleição do Papa Francisco”, complementou.

O padre António Manuel Martins considerou ainda que o concílio pôs em evidência dois modos de articulação dos crentes: o sacerdócio comum e o sacerdócio ministerial. “Pelo batismo todos estamos inseridos no sacerdócio de Cristo. Somos sacerdotes pelo batismo, participando da ação santificadora e libertadora de Cristo. A Igreja não funciona sem uma dimensão e sem a outra”, destacou, apontando à necessidade da “sinodalidade”, a capacidade de viver em conjunto, de percorrer “caminhos comuns de discernimento, de viver em caminho, em sínodo”.

Apontando à valorização da “cultura do diálogo”, considerou que “a Igreja não é democracia mas ganha muito em utilizar participações democráticas”. Considerando que os “padres conciliares deixaram um património em textos que ainda não está esgotado”, defendeu haver “condições mais serenas para fazer sínteses profundas, superando a dialética entre progressistas e conservadores”. “A aventura continua sem medo mas com riscos na história humana”, complementou, lançando um desafio. “A celebração dos 50 anos do concílio neste simpósio poderá constituir momento para redescobrimos a herança conciliar mas também para nos projetarmos num caminho de renovação e na perspetiva de convocação de um possível sínodo”, concretizou.

Conferência do padre António Manuel Martins