A paixão pelos aviões, adquirida na adolescência por causa das viagens que realizou, conduziu-o mais tarde à licenciatura em Engenharia Eletrotécnica, esperando especializar-se depois em aeronáutica.

A meio do curso, no Instituto Superior Técnico em Lisboa, o gosto pela aviação já tinha esmorecido, mas o interesse pela eletrotecnia ganhava cada vez mais importância.
Nascido a 3 de outubro de 1960 na freguesia lisboeta de São Sebastião da Pedreira, no seio de uma família composta ainda por duas irmãs mais novas, Nuno Tovar de Lemos ali cresceu e viveu até aos 24 anos. Frequentou a paróquia da mesma freguesia, onde fez a iniciação cristã, frequentando a catequese e um grupo de jovens. Chegou a ser catequista. Mas chegado à universidade, toda essa pertença e participação na comunidade paroquial passou a resumir-se à frequência da eucaristia dominical.
Foi nessa altura, durante o segundo ano do curso, que surgiu o convite para participar num retiro de jovens, inspirado no Movimento dos Cursos de Cristandade. “Foi muito importante para mim”, reconhece em declarações ao Folha do Domingo, acrescentando que se seguiu depois a proposta para integrar o grupo, “super exigente” na vivência diária da fé ao nível comunitário e pessoal, com participação na missa e a recitação da Liturgia das Horas todos os dias. “Aquilo marcou-me imenso, no aspeto da fé e no aspeto social. A minha vida de fé deve muito a isso”, conta.

No entanto, a determinada altura aquela exigente rotina também já não o satisfazia e um novo convite de um amigo propôs-lhe a realização de Exercícios Espirituais. Foi nessa ocasião que conheceu os sacerdotes da Companhia de Jesus (jesuítas), promotores daquelas iniciativas. “Foi ótimo porque eu estava numa crise enorme de fé”, lembra, garantindo que “não estava nada a pensar ser padre”.
Concluiu a licenciatura e, no mês seguinte, iria entrar no mercado de trabalho já com o casamento no horizonte, alicerçado em dois anos de namoro. “Estava tudo pronto para casar, mas eu não queria tomar a decisão sozinho, queria tomá-la com Deus”, conta, explicando que resolvera realizar novo retiro de Exercícios Espirituais, mas desta vez de uma semana. “Esse retiro trocou-me muito as voltas. Entras no retiro a pensar que te vais casar e sais do retiro sem saber o que vais fazer”, lembrou, explicando ter sido a “questão da vocação” que se abriu naquela semana. Efetivamente reconheceu que “já tinha tomado a decisão há muito tempo” e que aquele acontecimento apenas a evidenciou.
Começou ainda a trabalhar numa fábrica de material de telecomunicações, indeciso quanto ao seu futuro, e por lá permaneceu durante meio ano. O namoro prosseguiu, mas já com um propósito diferente: “ver para onde é que Deus nos chamava porque, eventualmente, podia ser uma coisa de casal que já nos tinha passado muito pela cabeça”, explicou, acrescentando que queriam “ir como missionários para a América Latina”.
“Nunca pensei muito em ser padre”, assegura o padre Nuno Tovar de Lemos, explicando que, no entanto, a opção vocacional se tornou óbvia durante o processo de discernimento, imediatamente antes de iniciar a caminhada como jesuíta com 24 anos. “A determinada altura foi claro que era isto que Deus queria de mim. A partir daí nunca tive nenhuma dúvida”, refere, reconhecendo a importância da identificação com os seus confrades Vasco Pinto Magalhães e António Vaz Pinto como modelos no exercício do sacerdócio.
A 6 de outubro de 1984 entra, então, na Companhia de Jesus e inicia o noviciado em Coimbra. A segunda etapa da formação jesuíta foi vivida em Braga, onde estudou Filosofia durante três anos, à qual se seguiu o ‘Magistério’, uma espécie de estágio, realizado em Angola, onde esteve dois anos. “[A experiência] marcou-me muito pela pobreza, por estar em guerra”, testemunha, lembrando o “recolher obrigatório” e que adormecia “todas as noites ao som de metralhadora”. “Combinei com Deus que não correria nenhum perigo que a missão não me pedisse”, revelou.
Acrescenta ainda que os padres eram convidados para debates na sede do MPLA sem saberem se se tratava de uma emboscada e recorda que um dia, durante uma visita ao interior de Angola, presenciou um ataque da UNITA em que não foi preso “por muito pouco”. “Foi difícil”, conclui, lembrando ter sido professor no Seminário Maior de Luanda e em vários outros locais e também ter trabalhado em várias paróquias e com missionários dominicanos.
No interior do país, conta ter vivido uma “espetacular” experiência de Igreja onde “todas as aldeias tinham oração diária, formação para sacramentos e grupos de casais”. Essa mesma vivência repetiu-se, já depois de ordenado, no âmbito da formação jesuíta, em trabalho durante seis meses na Venezuela ao qual se juntou o serviço no Brasil “profundo” durante um mês como colaborador de um bispo que tinha a seu cargo uma diocese do interior “do tamanho de Portugal continental”, organizada apenas com 12 padres.

“Estou muito agradecido a Deus por estas experiências. Foi muito importante ver outros modelos possíveis de Igreja”, atesta, acrescentando que essas vivências lhe deram a “consciência que há muitas maneiras de se organizar a Igreja, uma paróquia, um grupo de paróquias”. “Estamos habituados a determinado modelo que temos na cabeça, herdado do passado, ainda que a gente saiba que esse modelo não vai ser possível manter no futuro porque é todo baseado na presença de um padre. Pode-nos ser muito difícil imaginar alternativas e o facto de tê-las conhecido não me dá a solução, mas, pelo menos, diz-me que é possível”, refere.
Estudou depois Teologia nos Estados Unidos da América, tendo obtido o grau de ‘master of divinity’ pela Weston School of Theology de Cambridge e licenciou-se em Teologia Fundamental em Itália, na Universidade Gregoriana de Roma.
Na capital italiana, pouco tempo antes da ordenação, foi ainda assaltado por uma manhã de dúvida vocacional. “Andei a passear por Roma um bocado aflito. Não é que duvidasse que fosse esta a minha vocação, mas não estava a ver como é que ia funcionar. Estava só a contar com as minhas forças”, explica. Resolveu então entrar numa igreja onde nunca tivesse estado para participar na eucaristia. Após se ter sentado, veio ter consigo uma senhora que lhe pediu para ler o salmo. Agradeceu, mas retorquiu que não seria boa ideia por ser estrangeiro e não ter boa pronúncia. Nesse momento, a interlocutora disse-lhe algo perturbador: «Tu serás sacerdote para sempre». “Fiquei a olhar para ela e perguntei-lhe: «como?». E ela voltou a repetir a frase. Perguntei-lhe: «mas porque é que me está a dizer isso? Não me conhece de lado nenhum, eu nunca aqui tinha vindo». E ela respondeu que era o refrão do salmo. Percebi que era Deus a dizer-me: «a tua vocação foi uma ideia minha»”, contou.
De regresso a Portugal, trabalhou ainda na pastoral universitária em Braga e foi ordenado, então, sacerdote a 1 de julho de 1995, com 34 anos, no Colégio das Caldinhas, em Santo Tirso, juntamente com mais dois colegas, por D. Jorge Ortiga que na altura era bispo auxiliar de Lisboa.
Seguiram-se depois 20 anos de trabalho na pastoral universitária como diretor dos centros universitários Padre António Vieira (CUPAV), em Lisboa, Manuel da Nóbrega, em Coimbra, do CREU-IL, no Porto, e novamente do CUPAV. O sacerdote garante que essas duas décadas de trabalho com os estudantes (muitos deles sem qualquer experiência anterior de fé) –, em que começou por ser visto como “irmão mais velho” e terminou como “pai” –, marcaram muito a sua “maneira de trabalhar e de ser padre”.

“Sempre senti que a minha vocação era muito mais para os de fora do que para os de dentro [da Igreja]”, afirma, explicando que a área da Teologia em que se especializou é a que faz “charneira com o mundo de fora [da Igreja], entre a Teologia e a Filosofia, a Igreja e o mundo”. O sacerdote realça a importância de uma “linguagem compreensível mesmo para pessoas que estão fora da Igreja” e que acaba por ser “uma porta aberta para uma data de gente que se identifica mais com esse tipo de linguagem do que com outras linguagens de Igreja”.
O padre Nuno Tovar de Lemos adverte que a “linguagem hermética” é algo “dramático do ponto de vista missionário da Igreja”. “Quando uma pessoa que vai à missa e ouve-te falar, a questão nem sequer é se está de acordo ou se não está. A primeira questão é se percebe o que é que estás a dizer”, realça, explicando que essa compreensão “tem a ver com as palavras que se utilizam, com os exemplos que se dão” e implica “uma simplicidade de comunicação, à qual o trabalho com os estudantes universitários obriga”. “Gente boa de fora da Igreja pode ir a uma missa e concluir: «disto, não preciso». Estiveram ali, perto de Jesus, e por tua culpa tiraram essa conclusão”, acrescenta o sacerdote, considerando ser neste âmbito que se joga o exercício do ministério. “Trata-se de abrir portas, fazer pontes”, conclui, rejeitando preocupações “com tanta coisa acidental” e exortando à concentração no “essencial”. “O que me norteia é ir ao essencial”, reforça, acrescentando haver “muitas pessoas desesperadamente à procura de qualquer coisa e muitas vezes estão a perder-se em experiências pseudo espirituais que só as deixam mais confusas”. “E nós temos Jesus Cristo que é exatamente o que eles precisam”, sustenta.
Do trabalho realizado ao nível dos atendimentos pessoais, peregrinações, eucaristias, pregações, cursos, fins de semana para tirar dúvidas de fé (tanto ao nível da doutrina como da moral), o sacerdote realça as “imensas experiências” de conversão que acompanhou. “No caso dos estudantes não é só a sua conversão religiosa. É toda a sua maneira de estar na vida, de abertura aos outros, de sensibilidade social”, explica, acrescentando que a intervenção cívica e o sentido de cidadania também saiam reforçados. “Também acompanhei uma série de conversões de pessoas que não eram propriamente estudantes universitários, mas vinham conversar”, conta.

O padre Nuno Tovar de Lemos chegou ao Algarve em 2016 para integrar a comunidade jesuíta algarvia de Nossa Senhora da Estrada, da qual é atualmente o superior. Naquele ano assumiu também, juntamente com os padres jesuítas Frederico de Lemos e Francisco de Campos, o trabalho na paróquia de Nossa Senhora do Amparo de Portimão. “Sempre colaborei muito com paróquias, mas esta é a primeira experiência como pároco e estou a gostar imenso”, refere o sacerdote, considerando que o trabalho no Centro Social, que fornece cerca de uma centena de refeições diárias a pessoas carenciadas, “tem sido um desafio giro”. “Obriga-me a estabelecer relações com imensas instituições da cidade”, refere. O trabalho na área social no Algarve tinha sido iniciado com o acolhimento a uma família síria de refugiados naquele mesmo ano.

Desde 2018, a comunidade jesuíta algarvia ficou responsável pela programação anual da Casa de Retiros de São Lourenço do Palmeiral e o padre Nuno Tovar de Lemos diz ser “importante que haja um espaço, dentro da diocese, onde quem se quer encontrar mais com Deus possa parar para pensar e para rezar”. “É necessário procurar como é que podemos servir melhor e pedir colaborações”, acrescenta, considerando que “esta proposta da diocese está a fazer o seu caminho” e tem sido aproveitada não apenas pelos algarvios, mas também por muitas pessoas vindas de fora. O sacerdote refere ainda que o projeto “tem sido muito gratificante pela colaboração com o padre António de Freitas”, vigário episcopal para a pastoral da diocese algarvia.
Este ano, foi ainda o assistente espiritual da primeira ‘Missão País’, levada a cabo no concelho de Alcoutim pelos estudantes da Universidade do Algarve.
A música é também uma das dimensões significativas destes 25 anos de ministério sacerdotal, mas o padre Nuno Tovar de Lemos explica que ser autor da mensagem e compositor da melodia de vários temas musicais que se cantam pelo país fora foi uma consequência da resposta a necessidades pontuais no trabalho com a juventude. “Havia uma peregrinação e era preciso fazer o hino”, exemplifica, explicando haver também canções que foram “prenda de casamento” porque apenas sabe “fazer uns acordes na guitarra”.
O cd ‘Aprendiz de Viajante’, vencedor dos prémios ‘Melhor Álbum’, ‘Melhor Canção’ e ‘Melhor Artista’, atribuídos em 2012 pela associação Kerigma, resultou da compilação de músicas feitas ao longo de 30 anos, algumas no âmbito do projeto ‘Camtil’ – Associação de Campos de Férias Católicos com apoio da Companhia de Jesus, ao qual esteve ligado durante muitos anos.
Outra forma de expressão artística presente ao longo deste tempo tem sido a escrita, que diz ser para si “muito mais importante do que a música”. Mas também aí, o sacerdote explica que a sua publicação surgiu sem ser programada e apenas por andar de braço dado com a oralidade. “Tinha uma série de conferências e um editor disse-me que gostaria de as publicar. Disse-lhe que não, mas um dia, a rezar, pensei: «mas não porquê?»”. Surgiu assim então o seu primeiro livro, intitulado “O príncipe e a Lavadeira”, como forma de compilar aquilo que ia dizendo e refletindo. Seguiram-lhe depois “Textos para Rezar”, “GPS da Vida Cristã” e, mais recentemente, “Eugénia Kraft”, obra de ficção que aborda a relação entre a razão e a fé. “Sempre senti a necessidade de comunicar coisas que para mim são importantes e que podem ser importantes para as pessoas numa linguagem que possam entender”, refere.
Ao fim de 25 anos, o padre Nuno Tovar de Lemos garante que “voltava a fazer tudo igualzinho”. “Acho que é uma sorte ser padre, sobretudo pela entrega a Jesus. Não trocava a minha vocação por nada deste mundo”, refere. Relativamente ao futuro diz ter “a cabeça a fervilhar”, “sobretudo com ideias para chegar aos que estão fora”.