Padre Miguel Neto

«Os construtores de muros, sejam eles de arame farpado ou tijolos, irão acabar por ficar prisioneiros dos muros que construíram», disse o Papa Francisco no regresso da sua última viagem apostólica, realizada nos passados dias 30 e 31 de março a Marrocos, viagem essa marcada sobretudo pelo tema do diálogo inter-religioso.

Este tema é caro ao Sumo Pontífice, que alerta, desde o início do seu pontificado, para a necessidade de viver verdadeiramente os valores cristãos, que estão indissolúvel e profundamente ligados à tolerância e ao encontro, que Francisco apresenta, no seu pensamento, como o próprio Cristo. Jesus fez-se efetivamente homem para viver entre os homens, para sentir os seus problemas e angústias, as suas alegrias e sonhos e desse encontro, sem muros ou barreiras, nasceu a salvação, oferecida como derradeiro gesto de amor e de partilha. No Panamá, nas últimas Jornadas Mundiais da Juventude, o Papa disse: «São os construtores de muros que, semeando o medo, procuram dividir, mas os jovens querem ser construtores de pontes», salientando que «a cultura do encontro é apelo e convite».

E nesta Quaresma, refletindo mais uma vez sobre o que devemos fazer e ser para estarmos no coração do Pai, dou por mim a pensar em estreitar pontes, num abraço verdadeiramente fraternal, ou alargá-las, para que tudo nelas possa caber. Olho para dentro de mim e vejo o que vejo nos outros: somos pequenos e deixamo-nos invadir tantas vezes pelas incertezas, pelas angústias, pelo profundo cansaço que são gerados no quotidiano, quer pelo trabalho, quer pelos relacionamentos; somos frágeis e inseguros e não acreditamos nas nossas capacidades, até porque tantas vezes percebemos nos outros essa mesma desconfiança em relação a nós e acabamos por exacerbá-la; somos vítimas da tristeza que nos consome o estômago, o coração, as entranhas e nos deixa perdidos no mar da água dos olhos; sentimos solidão e, no entanto, sabemos que para quem crê de verdade essa é uma impossibilidade, pois ainda que invisível aos nossos sentidos, estamos sempre presos no abraço de Nosso Senhor. Somos humanos.

Mas é precisamente essa humanidade que nos deve levantar do chão, erguer-nos e estender os braços. Essa é a nossa primeira ponte e o nosso instrumento privilegiado para derrubar muros. Porque há outros humanos como nós, que precisam saber que entendemos o que está dentro deles. Somos construtores da grande messe e isso faz-nos chamados a concretizar o amor, a vivê-lo em todos os gestos. Assim, todos eles serão pedras para construir pontes, não para erguer muros. Porque somos todos iguais nestas dores e também nas alegrias. Como dizia Fernando Pessoa, «Não sou nada. /Nunca serei nada./Não posso querer ser nada. /À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo». Não somos nada sozinhos e, todavia, todos os sonhos do mundo se podem tornar reais se forem partilhados.

Por isso, imagino – e quase que posso ver o Santo Padre a pensar o mesmo – um mundo, criado ao estilo de uma banda desenhada colorida, futurista, onde tudo esteja ligado por pontes, permitindo-nos entrar em todos os lugares, sem barreiras de espécie alguma e onde todos são bem-vindos, aceites, acolhidos, porque a caridade já não é só uma palavra, um conceito, mas um sentimento posto em ação. Sim, consigo ver pontes, todas as pontes do mundo. Todas a que a nossa vontade quiser criar. Porque somos só nós os seus construtores.