O presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) disse aos líderes empresariais da região que é preciso “mudar os modelos económicos” porque lhes falta “a humanização”.
“Trabalhamos com profissionais ou com pessoas? Trabalhamos com recursos humanos que, aos poucos, estamos a repor por recursos tecnológicos e com quem discutimos recursos financeiros e a quem chamamos matéria-prima da empresa? Como é que tratamos as pessoas? São números mecanográficos? Esta é uma das mudanças grandes que temos de fazer, é tratar as pessoas como pessoas”, começou por afirmar João Pedro Tavares, na conferência que proferiu na última sexta-feira à noite, no salão da paróquia de São Luís, em Faro.

A iniciativa, participada por cerca de 40 empresários e gestores, foi promovida pelo núcleo algarvio da ACEGE sobre o tema “A liderança empresarial à luz da ‘Economia de Francisco’”. A ‘Economia de Francisco’ foi uma reflexão iniciada em 2019 pelo Papa Francisco, com inspiração em São Francisco de Assis.
João Pedro Tavares desafiou os empresários a irem “mais adiante” dos “bons resultados”, do “crescimento” ou da “rentabilidade”. “Avalio a satisfação dos meus clientes, dos meus empregados, das famílias dos meus colaboradores? Como é que eu cuido de tudo? Com sentimento de posse porque sou dono da empresa ou sou um administrador em quem Alguém confiou para criar valor e distribui-lo com justiça?”, questionou, considerando ser preciso “passar da economia da posse para a economia da partilha”. “Os recursos são limitados, portanto temos de os partilhar. Não somos donos de absolutamente nada. Somos administradores de talentos, de bens, de relações que foram postas à nossa disposição”, justificou.
Nesse sentido alertou para os “limites da casa comum” e para os “limites da dignidade humana”. “Não podemos ultrapassar esses limites. Temos de nos preocupar com isso”, advertiu, garantindo que “hoje em dia os líderes empresariais estão a fazer listas e a considerar os aspetos de vulnerabilidade: filhos deficientes, ascendentes, descendentes, famílias numerosas, outras formas de subsistência”. A propósito, referiu-se ao anunciado projeto do “semáforo da pobreza” para ajudar as famílias a perceberem quais as causas da sua pobreza.
O presidente da ACEGE advertiu que, enquanto empresários e gestores, têm de “mudar de paradigma”. “Temos de mudar de paradigmas para paradoxos, para coisas que, aparentemente, não são compagináveis. O paradigma é entre duas realidades, optando por uma delas. O paradoxo é conviver com as duas”, afirmou, acrescentando que “a liderança é das formas mais responsabilizantes de serviço” e que “a ‘Economia de Francisco’ anda à volta desta liderança de serviço”.

O orador considerou estar a viver-se um “tempo extraordinário” com “muitas oportunidades para transformar e para mudar” e que “a pandemia foi uma enorme oportunidade” para “proceder a essa transformação e a essa mudança” no “mundo do trabalho e das relações”. “Quando dizemos vamos voltar ao normal, não voltemos às mesmas coisas, aos mesmos modelos, estilos de liderança. Busquemos coisas diferentes. Esta é a oportunidade que nos foi dada para transformar, mudar e pôr em causa aquilo que era o anterior”, pediu. “Será que estamos numa época de muitas mudanças ou numa mudança de época? Provavelmente estamos numa mudança de época”, acrescentou.
João Pedro Tavares, que criticou a diferenciação entre a vida pessoal e a vida profissional, desafiou os empresários a “viver a vida de trabalho como uma vocação e como uma vocação nobre”, lembrando que “na economia do bem comum não se privilegia o ganho próprio ou pessoal, mas o que for melhor para o conjunto”. “Significa que tenho de passar da ideia de derrotar os outros, de ganhar aos outros, para abdicar de ter para mim em prol do todo”, explicou, considerando que os empresários foram ensinados com “técnicas de guerra”. “Por isso é que a gente vai à conquista do mercado”, complementou, interrogando: “Qual é a minha meta? É no último dia ter uma ótima conta bancária ou no último dia chegar à porta da nossa vida?”.

O conferencista, que trabalha na banca de investimento, disse ser preciso “vencer preconceitos”. “Não é para sermos «bananas», comidos na curva. É para sermos atentos, mas também disponíveis. Humildes, mas estarmos disponíveis para crescer e para poder servir. É um caminho muito mais exigente, muito mais pleno, mas muito mais profícuo”, referiu, pedindo aos líderes empresariais que apostem na economia do bem comum e “naquilo que a Igreja propõe na Doutrina Social da Igreja” porque “é o melhor de todos os modelos, aquele que conduz aos melhores resultados”.
O conferencista, que exortou ainda os empresários as serem “protagonistas, agentes de mudança e educadores” a partir das famílias e dos jovens, a serem “pontes” e a “unirem o que está deslaçado e o que está descartado”, assegurou que “as universidades dizem que o talento é a chave diferenciadora no futuro”. “Pois, eu digo-vos que não é. É a sabedoria. Porque não me interessa uma pessoa com talento e sem caráter”, justificou, alertando para o perigo de “ter profissionais excelentes e más pessoas”. “Não há ativo tão tóxico como esse. Não são as pessoas que são tóxicas, são as atitudes que são tóxicas”, defendeu.

O bispo do Algarve, que também esteve presente e que presidiu à Eucaristia que antecedeu a palestra, considerou que a tudo o que foi referido “deve prevalecer a dimensão da fraternidade”. D. Manuel Quintas disse ser preciso “passar da solidariedade à fraternidade”.