Assistimos a uma crescente polarização da sociedade, que se traduz num extremar de posições ideológicas, políticas, raciais ou religiosas. Parece que vivemos num mundo do tudo ou nada, em que o meio termo não serve e o equilíbrio não é algo que se pretenda alcançar. Deseja-se marcar posição e definir fronteiras, mesmo que isso se efective através de um radicalismo quanto a formas de ser e de actuar.

Numa sociedade democrática e plural, a liberdade que nos advém da democracia alcançada com a luta de tantos e tantas, está a tornar-se numa qualquer libertinagem, onde cada um faz e diz o que quer, fenómeno que ganhou uma força imensa com o surgimento das redes sociais. Se a democracia continuar a ser olhada e vivida deste modo, não tardará, e viveremos numa anarquia pura, fomentada por um exacerbar do eu, em detrimento do nós.

Tudo isto, leva-me a pensar nos conceitos de hospitalidade e acolhimento, que podem ser vistos como sinónimos, mas que, prefiro olhá-los como complementares. Se acolhimento é o acto de estar disponível, deixando que o outro se aproxime e seja acolhido, a hospitalidade é o modo como esse acolhimento é realizado, com generosidade e afabilidade.

Depois de um verão com pausas de descanso para a maioria das pessoas, no retomar das actividades profissionais em massa, é tempo de nos questionarmos sobre o lugar do acolhimento e da hospitalidade na nossa vida e nas nossas actividades laborais.

A polarização social atrás referida, prende-se em grande medida, com a inexistência destes conceitos no quotidiano das pessoas, independentemente da sua missão e profissão. Temáticas como o racismo, os migrantes, os refugiados, a luta pelos direitos das mulheres ou da comunidade LGBTQI+, têm andado na ordem do dia pelos piores motivos, porque é cada vez maior a incapacidade de acolher o outro e as suas diferenças, fazendo com que proliferem os tiques ditatoriais da supremacia de uns sobre os outros.

Todas as pessoas têm um papel activo e crucial no desenvolvimento deste acolhimento centrado nas necessidades do outro, porém, há respostas cabais que podem e devem ser dadas pela política, através daqueles que governam, e pela Igreja, que tem a seu cargo a nobre missão de humanizar o mundo.

Do governo de um país esperam-se políticas inclusivas, discursos e acções, que confirmem o que é dito, pois é a falta de coerência que leva à desacreditação cada vez maior dos agentes políticos, que se admiram da emergência de uma extrema-direita que granjeia cada vez mais simpatizantes, porque dizem aquilo que o comum dos cidadãos também diz. Obviamente que tudo não passa de um conjunto de ideias, apresentadas como um projecto sólido que tudo resolverá. Nesse emaranhado de ideias e ideais, não há preocupação em acolher com hospitalidade, para que se construa uma verdadeira paz social que contribua também para o progresso de cada indivíduo e das sociedades em geral. Importa é fazer barulho e dividir para reinar.

Quanto à Igreja, pertence-lhe talvez um dos maiores e mais importantes papéis nesta época conturbada. Portadora de uma mensagem de Amor e Esperança, deve ser exemplo de acolhimento, hospitalidade, compreensão e integração. De forma simples, basta pensarmos nas vivências e dinâmicas paroquiais que conhecemos e/ou frequentamos. Vemos um pastor que acolhe, guia, corrige e cuida, ou observamos um mercenário que se serve dos dons da comunidade para seu deleite pessoal? E nós, leigos, servimos a comunidade, integrados e comprometidos nos vários ministérios existentes, ou, somos apenas consumidores dessa comunidade, desculpando-nos com a falta de tempo e de qualidades para desempenharmos determinada missão que nos é pedida? No que concerne ao acolhimento, qual é o nosso papel? Será que acolhemos de bom grado os novos membros que aparecem na comunidade pela primeira vez, e aqueles que retornam após longa ausência, independentemente dos seus motivos, ou, julgamo-nos superiores e mais próximos das coisas de Deus, porque nunca nos afastámos, desprezando os irmãos que se (re)aproximam da comunidade cristã?

Se há coisa que a pandemia provocada pela Covid-19 nos veio ensinar e revelar, foi a importância do acolhimento antes das celebrações religiosas. Embora tenham surgido, na sua maioria, para auxiliar a assembleia celebrante a cumprir as normas sanitárias, estou em crer, que a sua importância ultrapassou essa motivação inicial, permitindo um “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”, alegres, com sorrisos tapados pelas máscaras, mas que se revelam nos olhares e no cuidado em fazer com que cada pessoa se sinta em casa. Salvo raras excepções, este foi um dos ministérios mais importantes dos últimos tempos e, como seria bom, se todas as comunidades o continuassem a ter, pois a celebração da Eucaristia inicia-se nesse momento, onde um ou mais membros da minha família paroquial me recebem alegremente à porta para juntos, nos sentarmos à volta da Mesa da Vida que nos irmana.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia