Para nós, cristãos, depois da morte vem sempre a Ressurreição. É uma evidência tão clara, que tantas vezes pronunciamos esta palavra sem sequer pensar no real significado que ela tem para nós. Ressurreição não é simplesmente alcançar a vida eterna! É passar da vida terrena, onde apesar de estar o nosso princípio, tudo finda, para a vida em Deus que nos dá a garantia de estarmos eternamente diante do Seu olhar, em comunhão com o Seu Amor. Porém, nós no momento da morte, olhamos para o fim sem ver esse início na vida.
E esta é a metáfora do tempo presente, deste tempo em que a pandemia tomou conta da nossa história. Olhamos para o tempo e sabemos que estamos no fim de uma época, de um período, temos de estar, mas fartos desta vida de reclusão e olhando para o final de algo, algo muito terreno e humano, questionando-nos permanentemente sobre quando poderemos voltar ao que vivemos antes.
E a verdade é que não podemos voltar. Temos de mudar para não regressarmos à existência que nos garantia vários e tristes finais para a nossa história humana.
Mais: a normalidade não era a vida que vivíamos antes e também não é a vida que vamos viver no futuro. A normalidade é a vida do hoje, do momento em que estamos a ser constantemente interpelados a valorizar tudo o que temos e possuímos, tudo o que inventamos e fabricamos, tudo o que comunicamos e revelamos. A valorizar, sobretudo, o que somos.
É neste quotidiano que construímos diariamente que a beleza do Amor de Deus e Ele mesmo nos são revelados, nesta construção que vamos erguendo na nossa vida terrena. E o lado triste deste nosso percurso é que só valorizamos a beleza das coisas criadas quando precisamos delas. É o que nos está a acontecer.
Já comuniquei mais com a minha família desde o dia 13 de março até agora, do que durante os anteriores meses. Porquê? Porque estamos todos em casa, não nos podemos visitar (antes podíamos, mas não o fazíamos, porque não tínhamos tempo) e, por isso, temos necessidade de partilhar tudo: a comida, a pesca, os folares, enfim, toda a vida. Antes? Antes não tínhamos tempo e achávamos que isso não tinha assim tanto valor e estarmos numa videochamada no WhatsApp era uma brincadeira parva e uma perda tempo. Antes, os que eram avessos às redes sociais e à comunicação digital olhavam para crianças e jovens permanentemente ligados e questionavam porque é que eles não falavam com pessoas de carne e osso (como se as pessoas no outro lado do ecrã não tivessem carne, osso e sentimentos). Antes, pensava-se que alguém a olhar horas a fio para um telemóvel estava sozinho (como se a solidão fosse apenas um estado físico). E agora? Agora, temos todos, velhos e novos, a tentar fazer e receber videochamadas. Agora, todos percebemos que através de um mero ecrã se comunicam sentimentos e aquele, o mais nobre sentimento português, a saudade, é colmatada com um simples olhar para um vidro que esconde pequenas ligações de cobre e estanho. Antes, apenas alguns viviam permanentemente ligados; agora, todos “estamos on”.
Em certa medida, estamos a ressuscitar para o que realmente vale a pena…
Não percamos a ânsia de viver cada vez mais e mais velozmente, mas saibamos utilizar essa força para nos aproximarmos do que é essencial e importante, da beleza da criação, que é a natureza e que somos nós e as relações que temos. Tudo o que existe no mundo, mesmo o que foi inventado pelo Homem, é fruto da criação divina. Dêmos graças a Deus por isso, por Ele nos ter ajudado a criar maneiras de os aproximar intensamente daquilo que, neste tempo tão único, não é tocável.
Que venha esta ressurreição terrena, para voltarmos ao essencial e, assim, podermos caminhar em comunhão para a Ressureição eterna oferecida por Jesus Cristo.