ENTRÁMOS pela Porta neoclássica de S. Tomás de Aquino (padroeiro da cidade de Faro), que este ano completa 200 anos de construção, como já foi estudada no N.º 1 desta série. Com este último número da série de sete estudos publicados, sairemos pela chamada Porta do Repouso, construída no fim do século XII e início do século XIII, pelos Almôhadas, dinastia berbere seguidora dos ensinamentos de Ben Tumarte que se proclamaram Máhdi, (políticos religiosos), defensores da doutrina da unidade de Deus.
A implantação dos Almôhadas (1030-1269) onde é construída uma rede dupla de fortificações de defesa, vem a partir do Norte, até ao Sul (Algarve). É um período florescente nas trocas comerciais, nas influências culturais e científicas.
Faro vai assim nesses governos (taifas), de príncipes locais, surgidos após a fragmentação dos califados, numa cidade estado, recebendo os benefícios de uma cultura maior. Assim temos Ibn Harun, le roitelet(1) de Santa Maria d’Algarve a poetizar: Todo o jardim resplandece na água dos seus lagos / que o Sol ilumina / A claridade do céu só tem rival na dos claros cristais dos seus tanques floridos.
Recentemente, a Comissão Europeia e a Ordem de Malta promoveram, um Seminário em defesa e protecção dos lugares sagrados do Mediterrâneo, cuja relevância para a civilização europeia é muito grande. A questão dos lugares sagrados (e não falando dos da Antiguidade Clássica) não se limita a proporcionais contornos importantes à identidade profunda de certas comunidades que hoje podem atingir dimensões planetárias. Eis uma das razões desta série: “Será Faro uma Cidade Monumental?”
Partindo, a caminho da “Porta do Repouso”, a entrada principal dos cristãos para a conquista do exército português (Ordem de Avis), sob o comando do rei de Portugal, D. Afonso III. Aconteceu na Primavera de 1249. Não iremos tratar da situação bélica, que parece não ter acontecido, sim uma tomada em negociações. Com a bula do papa Inocêncio IV, enviada de Roma ao rei de Portugal, após a conquista de Faro, que declara: A Dita terra do Algarve, conforme reivindicas, pertence-te e faz parte do teu reino(2), seguindo-se o Tratado de Badajoz, 16 de Fevereiro de 1267, ficando Portugal completo, a partir da conquista da e os reconhecimentos na determinação que assim fosse: um reino, uma nação desde há 762 anos.
No Arco da Vila, em lápide onde podemos ler, desde 28 de Março de 1949: Em 28 de Março de 1249 foi esta terra de Santa Maria de Faro Integrada na Nação Portuguesa. Ainda, nessa galeria de pedra que é o Arco da Vila, na sua frontaria tão mal estimada, repara-se nos dois quadros em pedra trabalhada e gasta pelos dois séculos, a leitura em latim, que o bispo D. Francisco de Avelar mandou colocar e que hoje estão, quasi, imperceptíveis, o louvor a S. Tomás de Aquino, que Pinheiro e Rosa leu no que pode ler, publicando nos Anais do Município de Faro, N.º de 1981, página 128, em tradução portuguesa.
Tem a Vila Adentro um recheio arquitectónico construído, desconstruído e reconstruído, que se conta antes do cristianismo. Períodos diversos em mutações constantes de calendário Romano, Árabe e Cristão. Colocamos em interrogação, deixando aos critérios dos leitores essa notabilidade que se pretende, ou não, ser a cidade de todas essas mutações históricas e políticas, por consideração Monumental!
Percorremo-la, passo a passo, a parte visível. Muito do seu património se encontra soterrado nos largos e ruas de Vila Adentro. O Museu mostra-se em parte das recolhas feitas, pelo estudioso/arqueólogo, Abel Viana, nos anos trinta do século XX, vindo os impedimentos incompreensíveis impostos pelas autoridades tanto governamentais, como camarárias, no tempo. No entanto, merece todo o reconhecimento pelo exposto.
A Porta do Repouso em Faro é de construção única e no tempo; não se conhece outra estrutura de defesa militar do período Árabe (Almôhada), no Algarve: Dos três arcos actuais, só dois (laterais) pertencem à primitiva construção de defesa. O arco central fora aberto no século XVII, após a reconquista de D. Afonso III, para que a passagem das procissões, extra-muros, entrasse na Vila Adentro. No século XVIII, a rainha D. Maria Ana de Áustria, mulher de D. João V, encarregou-se da construção da capela de S. Jorge, fechando um arco de quem entra. Após o liberalismo, a Porta Militar sofreu a inconsequência do tempo: entupindo-se mais um arco, reduzindo-se à porta central, durante longos anos. Quando, no final dos anos oitenta do século XX, o autarca João Botelheiro decidiu mandar empurrar o empecilho desconexo, ficou aberto o arco esquerdo de quem sai da Vila Adentro.
Ainda Faro mostra-se em património construído, no período Árabe, com a porta de ferradura, caso único no Algarve, atribuído ao século XI, à entrada, lado direito, do Arco da Vila. Ainda, perto da Porta do Repouso, se situa a Alcáçova (residência real árabe), descaracterizada na segunda década do século XX, pela construção de uma unidade de apoio ao serviço militar, quartel de S. Francisco.
Há as Vozes subterrâneas no chão de Ossonoba, de Santa Maria de Faro. Um Chão de história no plural dos homens e mulheres que por aqui viveram, deixando-nos testemunhos que se vêem e que só a história regista, e que nos dá a responsabilidade e o orgulho de esta ser a Cidade de Santa Maria de Faro, a pioneira do culto Mariano. Uma cidade de profundas raízes onde se caldearam, num longo tempo dos fenícios, gregos, romanos, visigodos, árabes e cristãos.
Só podemos viver com o registo do passado, para a construção do futuro. Assim o afirmou a autora de “Memórias de Adriano”(3)
Júlio Dantas, a grande figura académica, que atravessou meio século XX; o algarvio mais traduzido em todo o mundo, vindo a Faro, no dia 15 de Junho de 1940, no dia da inauguração do monumento a D. Francisco Gomes de Avelar, pronunciou: Faro, Santa Maria, chamaram os cristãos à velha Harun, que neste momento representa para nós o Algarve inteiro. Santa Maria dos cavaleiros, dos navegantes, dos pescadores; Santa Maria do bolonhês, cuja torre se ergue ainda sobre a galilé da Catedral. Santa Maria de Jerónimo Osório, de Avelar, de João de Deus.
Arruinaram-na os terramotos, devastaram-na as tempestades, assolaram-na os homens: por instantes, pareceu pesar sobre ela a mesma fatalidade que à Ossonoba romana; e, entretanto, como uma criança aconchegada no regaço da Virgem – Mater admirabilis – E Faro permanece na história e na sua paisagem risonha (4).
Não sejamos mais avaros que o geógrafo Ibn Hazm, que vindo da sua natal Córdova, até Faro, no século XII, considerou que “O lugar de Santa Maria de Ossonoba, as suas bondades, faz dele (lugar) um dos melhores do mundo (1).
Teodomiro Neto
1) Rei de um pequeno Estado. Assim foi Ibn Harun, rei da cidade de Faro1016/1043
2)"Faro – Romana, Árabe e Cristã "- Edição : Cultura- 2009-Faro – T. Neto
3)"Memórias de Adriano"- Marguerite Yourcenar -Edição 1951 – Paris- Prémio "Fémina "-1952
4)"Faro- Comemorações Centenárias"- Júlio Dantas- Edição Bertrand -Lisboa- 1942
O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico