Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A última edição da ‘Teia D’Ideias’, promovida pela Associação Teia D’Impulsos, foi tecida com várias propostas que foram avançadas no final da tertúlia, dedicada desta vez ao património religioso e que se realizou no passado dia 26 de maio na ermida de Nossa Senhora da Guadalupe, no concelho de Vila do Bispo.

Os convidados daquela iniciativa, integrada sob o tema “Fé e Memória” na edição deste ano do DiVaM – Dinamização e Valorização dos Monumentos, deixaram várias sugestões que, segundo os próprios, poderão ajudar a valorizar e salvaguardar o património religioso algarvio.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Rui Parreira, arqueólogo e diretor de serviços de bens culturais da Direção Regional de cultura do Algarve (DRCA), pediu que o Plano Regional de Intervenções Prioritárias (PRIP Algarve) se estenda ao património integrado e ao património imóvel também dos bens culturais da Igreja por forma a que sejam estabelecidas “prioridades de intervenção com potencial financiamento comunitário”.

Aquele representante da DRCA considerou ainda que o património religioso deva ser abordado partindo de “quatro vetores que estão interdependentes”: a produção científica de conhecimento, a patrimonialização, a conservação e restauro e a socialização. Nesse sentido, disse que “há inúmeros investigadores que tem produzido conhecimento e feito levantamentos e identificação desse património religioso”. “Temos que reconhecer que a Igreja Católica, ao longo dos seus 2000 anos de existência, fez muito pela preservação deste património”, afirmou, considerando que “o reconhecimento do património religioso por parte da Igreja foi fundamental para preservar inúmeros edifícios e elementos do seu recheio”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Temos inúmeros exemplos em que a própria Igreja se ocupou em ir à classificação oficial porque entende – se calhar bem – que os párocos são os principais e os primeiros cuidadores do seu património. Sabemos que não é bem assim em todos os casos, mas sabemos que em muitos casos foi a Igreja que contribuiu para a preservação do património”, prosseguiu Rui Parreira, lembrando que “o Estado tem aqui obrigações, até pelo regime concordatário”. “O Estado atua com menos de 1% do seu orçamento para a intervenção nos bens culturais”, criticou, lamentando ainda que o erário público esteja “desprovido de meios financeiros que não são pagos por quem mais obrigação tinha de pagar”.

O arqueólogo considerou ainda que a “socialização dos bens culturais”, através da sua “divulgação” e “promoção”, ocorre com uma “aproximação da cidadania”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Antónia Fialho Conde, professora do departamento de história da Universidade de Évora, apelou à recolha musical das instituições monástico-conventuais do Algarve. Lembrando que a rede monástico-conventual a sul do Tejo conta “com cerca de 135 mosteiros e conventos, dos quais 46% de matriz franciscana”, a historiadora pediu “que se vejam os livros de coro desses mosteiros e conventos e se faça a reposição desses repertórios”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A docente destacou também a importância da consciencialização das populações para a salvaguarda do património material e imaterial. Antónia Conde destacou o papel que a própria Conferência Episcopal Portuguesa tem tido a este nível, por exemplo na formação sobre a visita a locais de culto. “O turismo religioso tem um peso cada vez mais importante no todo turístico nacional”, constatou, destacando também a importância da inventariação. “Aqui os párocos têm um papel que me parece crucial”, disse.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Susana Paté Gomes, responsável pelo Serviço de Conservação e Restauro do Museu Municipal de Faro desafiou os municípios algarvios a “colaborar mais e melhor com as entidades religiosas por forma a que o património religioso possa ser salvaguardado”.

Enumerando as parcerias que tem tido com a Sé de Faro, com a Ordem Terceira de São Francisco, com Ordem Terceira do Carmo e com as paróquias de Estoi e de São Clemente de Loulé, reforçou o carater “essencial” para o seu trabalho da inventariação dos bens daquelas entidades.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Susana Sousa, delegada da Associação Espaço Jacobeus no Algarve, apelou a um “trabalho em conjunto” entre autarquias e entidades como a Direção Regional de Cultura do Algarve, o Turismo do Algarve e a Diocese do Algarve para “dar dignidade ao Caminho de Santiago a partir de Faro”. “É necessário que esse caminho seja marcado com rigor e proteger as áreas envolventes”, sustentou, considerando aquele percurso como um “património imaterial” que a associação tem vindo a “estudar e a patrimonializar”. “A Ordem de Santiago teve um papel para a nossa identidade muito maior do que nós pensamos. Não era apenas uma ordem militar. Era, acima de tudo, uma ordem religiosa”, justificou, acrescentando que Faro e Loulé eram locais “onde tinham todos os seus esforços colocados”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Lembrando haver peregrinos que iniciam em Faro o caminho para Santiago de Compostela, Susana Sousa observou que “a peregrinação é uma coisa que antecede o turismo religioso” e, por isso, “não se pode entender” como tal.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Andreia Pintassilgo, designer de comunicação que tem vindo a trabalhar, no âmbito de um projeto para o mestrado que está a fazer, numa proposta de identidade gráfica para o culto de Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como Mãe Soberana, incitou à criação de um cartaz turístico de Páscoa conjunto entre os municípios de Faro, Loulé e São Brás de Alportel, elaborado em torno da procissão do Senhor Morto, da Festa da Mãe Soberana e da Festa das Tochas Floridas.

A designer considerou mesmo a festa da Mãe Soberana “um caso único em Portugal” com “vários aspetos diferenciadores”. “O que é muito estranho neste caso da Mãe Soberana é, com quase 500 anos de história, não ter uma identidade [gráfica]”, observou, considerando que “o turismo e a cultura têm a obrigação de potenciar esta identidade”. “Há muito trabalho a ser feito neste aspeto”, apontou, acrescentando ser desejável “melhorar as condições de divulgação, promoção e informação local”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O padre Miguel Neto, diretor do Sector da Pastoral do Turismo da Diocese do Algarve e fundador da ArtGilão – Atividades Religiosas e Turísticas de Tavira, anunciou a criação de um itinerário de turismo religioso, designado “Encontro com Deus”, com a assinatura daquele organismo da Igreja algarvia.

O sacerdote admitiu a incapacidade da maioria das paróquias para lidar com a questão do património. “A maior parte dos padres não sabe, nem tem conhecimento e alguns nem sequer sensibilizados estão para a conservação”, lamentou, apontando como principais fatores para esta realidade “a criação de uma entidade civil que tem neste momento mais conhecimento da arte religiosa do que a própria Igreja” e “a decadência da formação dos sacerdotes do ponto de vista histórico, sobretudo do ponto de vista da história da arte”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O pároco de Tavira lembrou que a ArtGilão “surgiu da necessidade de rentabilizar o património para aplicar [a receita gerada] no restauro das igrejas que são propriedade ou estão afetas à paróquia”. Por outro lado, o prior lembrou que “quem tem o dinheiro para investir [na conservação do património], na maior parte dos casos, são as pessoas que apoiam as comunidades”. “Hoje, o Estado não tem dinheiro. O Estado dá o parecer, mas não dá o dinheiro”, constatou.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A tertúlia terminou com a atuação do Coral Adágio, dirigido pelo maestro António Alves Pereira, que apresentou um repertório de música medieval renascentista.