Quando falamos de obediência salta-nos ao pensamento a ideia de uma mera submissão de alguém à vontade de outrém, e/ou de um poder externo. Correcto. Mas se procurarmos o verdadeiro significado da palavra, se formos à sua raiz, observamos que a mesma vem do latim oboedire (“escutar com atenção”), o que lhe confere um sentido bem mais profundo do que a comum submissão a um poder externo.

Em termos religiosos, e, sobretudo cristãos, esta obediência tem outra força e ganha amplo significado, porque o cristão é convidado a obedecer à Palavra de Deus, isto é, a escutá-la, para que lhe aqueça o coração e ilumine a sua vida. Trata-se de uma obediência (escuta atenta) que não lhe é imposta, que não o reprime, antes o liberta porque dá sentido pleno à sua existência. Então, ao obedecer a Deus por meio da Sua Palavra, estou a ser livre, significando que essa Palavra ecoou de tal modo no meu íntimo que me fez desejá-la cada vez mais, ou seja, obedecer-lhe. E só através desta escuta activa serei capaz de obedecer no sentido mais moderno do conceito, que é o de fazer a vontade de alguém, submetendo-me assim a essa entidade externa.

Ao longo da Sagrada Escritura são inúmeros os episódios que nos relatam figuras bíblicas em profunda obediência a Deus e à Sua Palavra. A título de exemplo refiro apenas dois: Abraão no Antigo Testamento, e Maria, mãe de Jesus, no Novo Testamento. Talvez não fosse mau, nestes dias, (re)visitarmos estes textos e notarmos a bela e livre submissão de cada um deles à Palavra, mostrando-nos claramente que a obediência só provém de um coração livre e desocupado de tudo aquilo que é acessório na nossa vida. São convites muito directos a permanecermos com o essencial. E o que é para ti o essencial, hoje?

Mesmo que de modo simplista, pelo facto de ter referido que na Bíblia existem modelos de obediência a Deus, podemos incorrer na tentação de achar que é algo fora do nosso alcance. Não é verdade. Depende apenas (e é muito!) da nossa disponibilidade.

Nestes dias de isolamento social, continuo a ser convidado a obedecer. Devo por exemplo submeter a minha vontade às autoridades sanitárias que querem o melhor para toda a gente, e que por isso nos aconselham a permanecer em casa, sempre que possível para proteger a minha vida e a dos meus irmãos. E como Cristão, será que estando eu confinado a “quatro paredes” poderei obedecer verdadeiramente a Deus? Certamente! Estando impedidos de celebrar a nossa fé comunitariamente, é tempo de nos reinventarmos e quiçá, formarmos uma sólida igreja doméstica, em que somos convidados a criar espaços apropriados e a definirmos um tempo para a nossa oração, para trabalharmos em nós este processo de obediência, a tal escuta de Deus que quer descer ao nosso coração para o transformar. Daqui deve brotar uma pergunta: de todo este processo de escuta interior, que sentimentos e emoções me têm tomado? E o que faço com eles? Só com plena liberdade poderemos ser obedientes, e conscientes que mesmo nas nossas casas, não estamos encarcerados, mas a “ganhar músculo espiritual” para vivermos sempre alegres, não negando que poderemos passar por momentos difíceis.

Aproximando-se a Páscoa do Senhor, somos seduzidos a vivê-la nestes moldes diferentes, como já referi, de confinamento à nossa casa, mas nem por isso, a sua celebração deve deixar de ser intensa. Como não celebrar intensamente o grande mistério da Páscoa? Que maior prova de Amor e de Obediência poderia dar-nos Jesus? Só uma obediência que passa pelo coração é capaz de nos fazer livres. Que este tempo tão importante e belo não seja vivido com menor intensidade devido às circunstâncias sociais, mas que possamos encontrar sentido profundo na Verdade: «se vós permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos; conhecereis a verdade e a verdade vos libertará» (Jo 8,31-32). Num tempo em que clamamos pelo fim desta pandemia para que também possamos voltar a ter liberdade de movimentos, unamo-nos à Verdade Libertadora, ao modelo de máxima obediência, para que, ao passar tudo isto, voltemos a ser Luz na vida de tantos quantos abraçarmos e consolarmos.

Que esta Páscoa seja oportunidade para (re)descobrirmos o valor de ter um coração livre para Deus e para os outros, enquanto homens que querem ser totalmente obedientes.