(outra vez os velhinhos…)

Enquanto a ouvia relatar os cuidados que tem com a mãe, uma nonagenária ainda lúcida e com autonomia na locomoção, pese embora já muito frágil, enquanto a ouvia falar com pavor, no horror que lhe causa o pensar sequer na hipótese de a ter de pôr num lar, pensava que, de facto, nesta altura da vida, o meu grupo de amigos está quase todo nesta fase, a de ter que velar, amparar, acompanhar os pais/mães que vão entrando numa etapa descendente da vida, dando aqui à palavra “descendente”, a devida proporção e enquadramento, pois nunca controlaremos a rapidez da “descida”, nem os desígnios da vida ou da morte, donos de tempos e prazos sobranceiros e alheios a nós.

Por isso, enquanto a ouvia falar, ia “calçando os seus sapatos”, pondo-me no seu lugar e no de outros e compreendendo tão bem o que relatam, levantando, às vezes, as mãos ao alto.

Naquele momento “calcei os sapatos” da minha colega, que me serviram, aliás, na perfeição e percebi a pessoa do “cuidador”, com toda a carga que carrega, receios que sublima e cansaços que repete. Percebi o desgaste e a aflição, as casas sem condições, os horários desfasados, os ordenados que não esticam, mesmo se colados às pensões magrinhas, do pai ou da mãe. Percebi os puzzles familiares que têm de multiplicar peças para valer agora a um avô ou avó muito velhinhos, cansados, entrevados ou pré dementes. Percebi o cansaço com que já se chega ao trabalho, quando às 9 da manhã já se mudou fraldas, se fez camas, se lavou, vestiu e alimentou. Percebi o receio de que outro cuidador que se arranje não esteja à altura, por inaptidão, ou só por falta de melhor escolha. Percebi a resignificação exigente que se faz do amor, vendo aquela mãe ou pai irreconhecíveis na demência. Percebi e imaginei tudo isso naqueles minutos em falei com ela. Teorias como o “ageing in place” passaram-me pela cabeça e vi o quão longe estamos ainda disso.

E percebi, presumi, que há coisas para as quais nunca estaremos preparados, como para o exercício de termos de ser mãe da mãe, ou mãe do pai, ou pai da mãe, ou pai do pai. A aptidão para esse cuidar, vem de chofre, às vezes sem avisar, abrupta, brutal e rápida. E isto senti, com os “seus sapatos nos meus pés”, apetecendo-me dizer-lhe que acho que é uma valente, daquelas bem GRANDES!

Ageing in place” significa a capacidade de continuar a viver em casa e na comunidade ao longo do tempo, com segurança e de forma independente. A promoção e valorização de modalidades de envelhecimento em casa e na comunidade onde ela se insere é um modelo de intervenção social atualmente privilegiado pela Organização Mundial de Saúde à medida que se envelhece (WHO, 2015__).