«Muito alegres» e «uma expressão do tempo pascal». Foi assim que D. Francisco Senra Coelho, Arcebispo de Évora, que preside à Festa Grande em honra da Mãe Soberana, em Loulé, definiu estas cerimónias, que terminam hoje, com uma Eucaristia Solene (onde estará também o Bispo do Algarve, D. Manuel Neto Quintas) e o regresso da imagem à pequena Ermida que lhe é dedicada.
O Arcebispo de Évora, que nunca tinha estado presente nesta festa, considera-a a maior manifestação mariana a Sul do Tejo. Sublinhou, em declarações à Folha do Domingo, esta dimensão de celebração da «alegria Pascal da Ressurreição», considerando que «Aquele Senhor morto, que a Senhora da Piedade tem ao colo, é o grão de trigo que floresceu, espigou e deu pão e pão para uma mesa de caridade e transformação do mundo, que é a eucaristia».
Definindo a Mãe Soberana como «festa de uma seara nova, que deu uma colheita abundante» e reveladora da «beleza infindável do cristianismo», «fonte que não esgota», vê nas demonstrações da alegria popular próprias dos devotos louletanos «uma tradição muito marcada pela vida, pela corrida, pela própria dança típica, que é uma espécie de dança ritual», onde os vivas e os pregões revelam essa esperança na Vida Nova.
Esta tradição de associação de Nossa Senhora às celebrações do Tempo Pascal estão, na perfectiva de D. Francisco Senra Coelho, muito ligadas a tradições que são próprias das Igrejas Orientais, que a partir dos partir do séculos IV e V começam a surgir: «Há uma tradição da Igreja Oriental, da Igreja Bizantina (de Constantinopla), das Igrejas Coptas (do Egipto), das Igrejas Melequitas e Maronitas (da Síria), das Igrejas Siro-Malabares e Siro-Malancares (da Índia), que não tem base escriturística ou evangélica, na qual se diz que Jesus teria aparecido ressuscitado a Nossa Senhora», explica. «Nós não temos nenhuma base, volto a dizer, nos Evangelhos, nos escritos neotestamentários, para fazer esta afirmação. Porém, as Igrejas Orientais começaram a celebrar de tal modo essa alegria Pascal, ligando-a depois à Assunção de Nossa Senhora, a 15 de agosto, que é como a primícia da Páscoa de Maria».
Posteriormente, com as invasões dos povos bárbaros, conta o Arcebispo de Évora, o Papa teria ficado «bastante isolado em Roma, num pequeno Estado Pontifício e surgiu em Ravena um Exarcado» que teria «relações com o Império Romano do Oriente», sediado em Constantinopla (hoje Istambul). «Hoje sabemos que havia pontos comerciais para recolha de produtos através do mediterrâneo» afirma e que a presença de Constantinopla terá mesmo «chegado aqui, ao Algarve, bem como a presença do exarcado de Ravena», pois há escavações romanas, nomeadamente na zona de Faro, que revelam «indícios da presença oriental». Por isso, este tipo de devoção «pode perfeitamente ter vindo nesse séc. VII» para esta região.
«Expressões como Nossa Senhora da Boa Nova, Nossa Senhora dos Prazeres, Nossa Senhora da Alegria, são expressões que têm a ver com essa devoção, que passou do Oriente para o Ocidente», afirmou o prelado.
Em Loulé, a Mãe Soberana, Senhora da Piedade, «uma pietá tal e qual como a que inspirou Miguel Ângelo», é «celebrada com gritos de alegria e de vitória», sendo uma festa «contextuada na religiosidade popular, com fundamentos litúrgicos e com base, também, espiritual, naquela grande transformação da morte para a vida», diz. E completa: «É uma interpretação que eu ouso apresentar, na medida em que, como professor da História da Igreja que fui, durante muitos anos, leio aqui, neste segundo domingo da Páscoa, exatamente a grande festa que já começou na Páscoa, há 15 dias, de uma pietá exaltada, glorificada, precisamente porque aquele Filho não foi um cadáver. Aquele Filho foi um ressuscitado, um vencedor da morte, que nós todos louvamos, bendizemos, porque queremos participar da sua vida nova
Esta é, por isso, «expressão da devoção que nos liga a todos» à mãe de Jesus, concluiu, revelando grande satisfação por poder participar, ainda que não nos moldes normais em que decorre a festa, situação provocada, como é do conhecimento de todos, pelas restrições impostas e resultantes da pandemia da COVID-19.
Recordamos que D. Francisco Senra Coelho foi ordenado em Évora em 1986, por D. Maurílio de Gouveia. Em 2014 foi nomeado pelo Papa Francisco como bispo auxiliar de Braga; era então era pároco de Nossa Senhora de Fátima e de São Manços, em Évora, e de Nossa Senhora da Consolação, em Arraiolos, além de ser o vigário forâneo da Vigaria de Évora e o moderador da Zona Pastoral Centro/sul da Arquidiocese de Évora. É Arcebispo de Évora desde 2018.
As celebrações estão a ser transmitidas em direto em todos os canais de comunicação da Folha do Domingo e da Diocese do Algarve (nomeadamente no Facebook) e da Paróquia de Loulé, com a ajuda da +Algarve, que também difunde as transmissões nas suas plataformas.
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