O bispo do Algarve evidenciou ontem, em Loulé, o sentido da Festa Grande de Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como «Mãe Soberana».

“Somos convidados a celebrar a alegria porque aquele Jesus, deposto no colo da sua mãe, está vivo, ressuscitou! E é isso que nós celebramos neste dia. Nós seguimos alguém que está vivo, que ressuscitou, que tem uma influência determinante na nossa vida, sobretudo em situações de morte, de tristeza, de angústia, de desânimo”, clarificou D. Manuel Quintas na celebração da Eucaristia, a que presidiu, junto ao monumento a Duarte Pacheco, que contou com a participação do Presidente de República, Marcelo Rebelo de Sousa e da ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho.

“A celebração da festa daquela que tratamos carinhosamente, como «Mãe Soberana», proporciona-nos, anualmente, a oportunidade de nos determos na contemplação do seu exemplo de fidelidade e do testemunho da fortaleza da sua fé, ao acompanhar e partilhar as vicissitudes do seu Filho Jesus, particularmente a união com Ele, aos pés da cruz”, prosseguiu o bispo diocesano.


Aquele responsável católico destacou também Maria como “Mãe da santa esperança”, tema pastoral deste ano do santuário louletano de Nossa Senhora da Piedade que associa a mãe de Jesus ao tema do Ano Jubilar que a Igreja está a celebrar. “Por Maria, Senhora da Piedade e nossa «Mãe Soberana», somos conduzidos a Cristo, como fonte duma esperança que não engana, como fonte de verdadeiro amor, como fonte de alegria plena e de paz duradoira”, desenvolveu, acrescentando: “É este amor que faz de nós peregrinos de esperança. A esperança mantém-nos vivos. Não permite que vivamos marcados pelo desânimo, envolvidos pela desilusão, prostrados perante as adversidades. Somos peregrinos duma esperança que não cede perante dificuldades e incertezas, funda-se na fé e é alimentada pela caridade, permitindo-nos assim avançar na vida”.


O bispo do Algarve começou a sua homilia precisamente por dirigir uma palavra de apreço e destaque àqueles que ontem se fizeram peregrinos a pé a Loulé. “São sempre muitos todos os anos. Atrever-me-ia a dizer, alguns milhares que peregrinam até Loulé, até ao Santuário da «Mãe Soberana» e a esta Eucaristia pelo grande afeto que os liga a Nossa Senhora da Piedade”, afirmou, lembrando que aqueles e todos, “como peregrinos de esperança”, são “convidados a chegar a todos os âmbitos existenciais”. “A peregrinação, mais do que um caminho geográfico exterior, é acima de tudo um movimento interior em direção ao nosso coração, é acima de tudo um renovar contínuo da fé, da entrega, do amor, do compromisso”, explicou.



O bispo do Algarve realçou ainda a “feliz coincidência” anual da celebração daquela festa com o Dia da Mãe. “Proporciona-nos a oportunidade de melhor entendermos, a partir do amor materno, a esperança que deve inspirar e animar a nossa vida”, considerou, acrescentando que “o amor de mãe constitui, seguramente, a mais perfeita metáfora do amor de Deus, manifestado em Jesus e ao qual Maria esteve intimamente associado”. “Deus preparou na Virgem Maria toda a beleza e ternura da maternidade divina, de modo que através dela pudesse assumir a nossa condição humana e fazer-se um de nós”, prosseguiu, referindo que o amor de cada mãe proporciona a aproximação, “de modo eloquente, do amor de Deus por cada um dos seus filhos”.


D. Manuel Quintas considerou ainda que o que define cada mãe “não é ser uma super mulher, mas ter um super amor, sempre pronto a manifestar-se, a oferecer abraços e ternura”. “A mãe é, sobretudo, a heroína de todos os dias que semeia esperança e eleva o coração da sua família: do marido, dos filhos, dos netos, hoje, amanhã e sempre, nos momentos de alegria, assim como na angústia e nos momentos de dificuldade, nas tempestades da vida”, salientou, lembrando as mães “vivas ou falecidas”. “Às mães maltratadas ou desprezadas, às que perderam um filho, às que vivem sem aconchego, às que sentem a solidão – seja na velhice ou até mesmo na juventude –, às cansadas e sem amparo, saibamos mostrar-lhes que todo o seu empenho em elevar o coração, em semear esperança no coração dos filhos e no coração do mundo, não ficará sem recompensa”, pediu.



No final da celebração, o bispo do Algarve voltou a confiar à bênção e proteção da “Mãe Santíssima da Piedade” as famílias, crianças, jovens, idosos, doentes, “os mais sós”, “os que sofrem do corpo ou do espírito”, “governantes e todos os que exercessem autoridade” para que “saibam cumprir a sua missão como um serviço ao bem comum, não se deixem vencer pelo desânimo e procurem sempre a promoção da justiça social, da verdade e da paz”, “todas as mães”, escolas, creches, infantários, indústrias e comércio, “todos os grupos ao serviço do bem comum, da promoção da vida e das pessoas, bombeiros, militares, centros de saúde, centros de terceira idade, lares, Santas Casas da Misericórdia, confrarias e irmandades”.

No sermão que proferiu após a chegada da procissão ao santuário, o bispo diocesano, entre vivas a Nossa Senhora, orações de Avé Maria e o canto do hino de Nossa Senhora da Piedade, voltou a pedir a intercessão por aqueles que confiou no final da Missa à sua proteção e acrescentou os trabalhadores e os migrantes e refugiados “que buscam paz, segurança, felicidade e um futuro melhor para si e para os seus filhos”. “Ensinai-nos a saber acolhê-los com caridade e dignidade providenciando a sua integração social e a defesa da dignidade das suas vidas”, pediu.

Já na homilia da Missa campal, D. Manuel Quintas exortara ao compromisso com o mundo. “Não queremos, nem podemos alhear-nos do tempo em que vivemos. O mundo de hoje, com todo os seus contrastes – onde há sinais evidentes de retrocesso, diria mesmo quase civilizacional – parecem opor-se a sinais de progresso, apoiado na paz e na procura de uma vida mais digna para todos. Não podemos alhear-nos do nosso país, onde assistimos a uma incapacidade evidente e generalizada de gerar consensos, quando parece ser isso que o povo reclama como última instância da democracia”, afirmou.
O responsável católico pediu mesmo aos católicos que se assumam como “cultivadores diligentes da semente do Evangelho da alegria e da esperança, de modo a fermentar quotidianamente a humanidade e o mundo de hoje. Na verdade, não basta desejar um mundo melhor; é preciso começar pelo nosso próprio lar, o nosso próprio ambiente, pela nossa própria casa, fazendo deles um lugar onde a alegria e a esperança possam florescer”, considerou na Eucaristia concelebrada pelos bispos eméritos do Funchal, D. António Carrilho, natural de Loulé, e D. Manuel António dos Santos, bispo emérito de São Tomé e Príncipe, este a colaborar com a Diocese do Algarve, para além de muitos sacerdotes da diocese.
Aquela que é a mais significativa expressão de devoção mariana algarvia, voltou a atrair a Loulé na sua Festa Grande uma multidão imensa, oriunda não só de todos os pontos do Algarve, como também de diversas regiões do país e até emigrantes.
Ao esforço dos homens oito homens, vestidos de calças e opas brancas, que transportam a imagem de Virgem Maria com Jesus nos braços, aliou-se a força espiritual dos muitos milhares de fiéis que, em vivas inflamadas a Nossa Senhora da Piedade, acenando lenços ou em passo vivo e na cadência musicada dos homens da Banda Filarmónica Artistas de Minerva, «empurraram», calçada acima no calor da fé, o pesado andor da padroeira.
Depois de a imagem ser levada de volta para a secular ermida do santuário, seguiu-se o regresso, em marcha, de todos com a banda até ao centro da cidade.
As festividades de Nossa Senhora da Piedade constituem uma tradição com provável origem em 1553, data oficial da edificação da capela que lhe é dedicada, mas um relatório de 1518 dos visitadores da Ordem de Santiago refere que na capela de Santo António da igreja matriz de Loulé já existia um “retábulo de portas com Nossa Senhora da Piedade”.