Desde que em 28 de Dezembro de 1895 os irmãos Lumière (Auguste e Louis) fizeram pública do primeiro filme em Paris, na cave do Grand-Café dês Capucines, estava iniciada a história do cinema.

Louis Lumière dirigira a seguir seis dezenas de títulos que deram para maravilhar o mundo inteiro, desde La sortie des Usines a Arriveé d’un train à la Ciotat, para de seguida produzir o primeiro esboço de ficção-comédia cinematográfica: L’Arroseur Arrosé. De seguida, seria caminhar, em milhares de títulos a circular por todo o planeta. Era a nova era da sétima arte.

Portugal é o 4.º país a dar a novidade e a conhecer os bonecos vivos, com Lisboa inteira a ver no Real Colyseu, na rua da Palma, a 1.ª sessão do Animatógrapho ou o Inematógrapho, fotografia animada de tamanho natural: A mais extraordinária novidade que está a fazer furor em Paris, Londres e Madrid. Era a constante informação da imprensa da capital. Lisboa seria a 4.ª cidade (13/06/1896) que pôde admirar a prodigiosa maravilha inventada por Edisson e apresentada por Erwin Ronsby, conforme Félix Ribeiro nos deixou a informação em Figuras e Factos da História do Cinema (1896/1949).

Por Faro, temos o primeiro registo: O Animatógraph passa pelo Lethes a 11 de Setembro de 1898. Em programa da Tipographia Seraphim – 1898 (Rua de Santo António), em informação: A última invenção da sciência moderna ou a supra summo da invenção humana.

Com uma clientela reservada pelo Lethes, a admirar-se pela novidade com a Torre Eiffel, Noite de Núpcias, A Guerra de Cuba, A Lua de Mel, sempre e, eternamente, a temática: homem, mulher, amor, sexo, sangue, os ingredientes constantes, levam a curiosidade da elite farense à saturação. Então, o animatógrapho muda para o popular Teatro 1.º de Dezembro, a dois de Outubro, conforme programa: Resolveu o Teatro 1.ª Dezembro reduzir o preço da entrada para que todas as pessoas possam apreciar a última invenção do célebre Edisson. Este apparelho contém peças de música e canto hespanhol, francez, italiano e rusticano (popular). Entrada 50 réis. Todas as noites das 6 às 10.

Depois, as sessões vulgarizam-se pelos restantes espaços da cidade, até, que, no fim do pasmo, circule pelas feiras itinerantes do Algarve, para o grande povão rústico e meio urbano das aldeias e sítios, possam pagar modernidade.

O cinema ganha a primeira batalha entre as duas guerras mundiais. E a Europa disputa um lugar cimeiro na realização, produção e interpretação, que irá, pelas perseguições nazis, dar lugar à produção dos E.U.A., em fins doa anos 30. Era o tempo do cinema europeu a dar cartas nos anos 20: Suécia criava o Carro Fantasma, com Victor Sjõstrom; a Alemanha surpreendia com Metropolis, de Fritz Lang; a França levava ao deslumbramento o filme Napoleon de Abel Gange. Uma odisseia de movimento e acção que transpôs a arte cinematográfica para novos caminhos, em que só o sonoro era a última batalha a vencer.

Portugal entrou na novidade, ainda no cinema mudo, com os Lobos (1923) do residente italiano de Roma, Rino Lupi, depois veio Fátima Milagrosa (1928) e José do Telhado (1929). Leitão de Barros, o cineasta que foi autorizado a ir à Rússia estudar Sergei Eisenstein, para a realização do histórico Inês de Castro (1944). Ainda em cinema mudo deixou-nos o clássico Maria do Mar (1930). Muito cedo os algarvios entram na aventura do cinema. Criaram-se revistas especializadas na temática cinéfila, desde O Écran, fundado em Olhão, 1919, com Roberto Nobre, criando-se um novo espaço nas artes das fitas; até que em 1929, por Faro, surja o quinzenário Filmagens, com o ilustre jornalista e professor, Alfredo de Mascarenhas, à frente de um grupo como Maria do Carmo, Azevedo Mendes, Jorge Ramos, entre outros. 1930; por Vila Real de Santo António, Vicente Campinas e alguns outros jovens cinéfilos publiquem Jornal do Cinema. Em 1935, por Faro aparece a revista O Realizador, com Roberto Nobre, José Stockler e outros. Duas figuras destacáveis na realização: Armando Miranda e Carlos Porfírio, sendo o primeiro mais profícuo. Miranda (1904-1975), natural de Portimão, vive longos anos por Faro, onde se fixara como bancário; na capital do Algarve inicia-se na escrita e publicação como poeta; dois livrinhos: Varanda de Lilazes (1926) e Cantigas que Ninguém Canta (1934). Depois de uma passagem pelo jornalismo, em que dirige o Diário do Algarve (1935); já em Lisboa, 1936, publica a Revista de Cinema Espectáculo. Republicano idealista, logo alinha na nova política do Estado Novo. Chega a Lisboa com a imagem povoada de sonhos, sonhando cinema, nessa viragem do mudo para o sonoro, que se dá, primeiro em 1930 com A Severa, inspirado na peça do algarvio Júlio Dantas; sendo o ano 1933 que toda a técnica é realizada em Portugal, com o filme Canção de Lisboa. Miranda prepara-se para realizador; a partir de 1940, ponde à prova a sua capacidade em Pão Nosso. Armando Miranda segue nesse culto cinematográfico com Ave de Arribação (1943), ganhando lugar de destaque com estes seus primeiros filmes, hoje chamado de Clássicos do cinema português. Homem arrojado e integrado no seu tempo político, é um ser inquieto que o levará a um lugar distinto na galeria do cinema português e brasileiro. Em 1940 vem com os chamados filmes de fundo: Armando Miranda é um homem de sorte, quanto às descobertas de novos rostos para o cinema português. É a sua descoberta de Virgílio Teixeira para o filme José do Telhado(1945) e Amália Rodrigues para o seu maior êxito, em 1947, com o filme Capas Negras. Regressa ao cinema de culto, em 1948 com o documentário Serra Brava; filme antológico, ao gosto do poeta-realizador, que não agradou ao poder político do Estado Novo. Em 1959 segue para o Brasil, onde passou a viver. Filma o Cantor e a Bailarina (1959), que redunda numa desilusão para o realizador(1). Entre outras películas comerciais a Montanha dos Sete Ecos (1963). Esquecido e sem glória, este cineasta do Algarve Encantado – Terra de Sonho (1948), morre só e esquecido, no Rio de Janeiro, em 1975.

Carlos Porfírio, homem europeu; pintor do nosso imaginário real, corredor das nações, nessa cultura vasta dos conhecimentos, vai da poesia futurista à pintura de todos os movimentos que espalha pela Europa. E nesse flâner, não tão despreocupado, passa pelos caminhos do cinema. Estamos na década de quarenta, tempo de todas as experiências, que a 2.ª grande guerra mundial interrompera ao percurso da civilidade. 1945, num mundo prisioneiro/libertado, o cinema entra num delírio da nova arte cinematográfica: da Itália, o pungente neorrealismo, em Roma-Cidade Aberta; a América conquistadora no colorida dos seus musicais, na fantasia recriada dos seus westerns. Porfírio entra para a experiência do cinema, em inspiração queirosiana, num Sonho de Amor (1945), uma recriação tardo/romântica, numa Lisboa de início do século XX. Carlos Porfírio é guionista e realizador do seu primeiro filme, como o será do segundo e último, Um Grito na Noite (1948).

Em 1992 publiquei um estudo sobre o artista multifacetado, que foi Carlos Porfírio (2). Reportando-me à pluralidade artística do director do Portugal Futurista (1917); ao pintor do nosso Imaginário Real (1960). O nosso criador na arte cinematográfica que põe os artistas, em écran, no linguajar algarvio, em Um Grito na Noite; deste homem muito importante na cultura portuguesa e também marginalizado pelos auto ditames dos compadres culturais.

Porfírio foi um pintor/cineasta sempre fascinado pelo music-hall, ballet, teatro, cinema; adorava o espectáculo. E reparando nos movimentos dos seus quadros. Temos no tríptico, A Tourada do Mar, quadro pintado em 1964, para o Museu Marítimo Ramalho Ortigão, de Faro; ou no esplendoroso quadro da Mãe Soberana de Loulé (1970), a sequência das acções no pintor cineasta. Foi a sua maneira, em mostrar, através das suas telas, um sentimento, uma emoção em arte, mesmo cinematográfica.

Já confrontei Porfírio/Lautrec o artista do Algarve, pintando em tela como e cinema a sua região. Os elos homem/mulher estão por todo o Algarve etnológico, pictórico, festivo, sempre em movimento. É um quadro total que Porfírio, onde nos encontramos em idiossincrasia. Assim como Henri de Toulouse Lautrec o pintor da região de Paris, que mete em delírio as mômes do Moulin Rouge, e bistros das Folis-Bergéres, em imagens explosivas e estremas, nessa magia de roxos e vermelhos, em carnes nuas, em provocações canalhas. Já Lautrec, de trinta anos mais que Porfírio, via Paris, como o pintor de Faro viu o seu Algarve, no seu tempo.

Muitos algarvios passaram pelo cinema português, no tempo em que o cinema ía ao teatro recrutar os artistas para a aventura do cinema. Assim temos Nascimento Fernandes (Faro), em Aniki-Bóbó; António Pinheiro (Tavira), em O Rapto de uma Actriz, Corina Freire (Silves), em The Laughing Lady. Não poderia deixar em vão a diva de Carlos Porfírio, intérprete dos seus dois filmes, Maria Eduarda Gonzalo (Olhão), 1913. Ainda Mariana Vilar (S. Brás de Alportel (1927), no drama de Ramada Curto, As Duas Causas; Júlia Barroso (1930) Lagos, no filme A Garça e a Serpente. Maria de Fátima Bravo (1937) Lagos, no filme A Costureirinha da Sé.

Filipe Ferrer foi o grande actor farense do século XX. Entrou em inúmeros filmes, tanto em Portugal, como nos E.U.A. A televisão deu-o a conhecer em inúmeras séries. No meu livro “Faro no Verbo Amar”, dedico-lhe a página 65: Faro! É bom passar por aqui e revisitar o sol. Como gostaria de, no Lethes, dirigir “O Jardim Zoológico de Cristal”, de Tennesse.

Faro fundou, em 1956, o Cine-Clube, ainda em continuidade, sendo o mais antigo do país, ainda em actividade; tendo o poeta António Ramos Rosa como seu fundador.

1) “Algarve- Rostos do Século” Edição Diário de Notícias-2000- T. N.
2) “Carlos Porfírio na Pintura Contemporânea Algarvia”
Edição 1992 Anais do Município de Faro T.N.


Teodomiro Neto

O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico