Padre Miguel Neto

«Disse Jesus: “Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. (…) um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele».
(Lucas 10:25-37)

Quem é o meu próximo? Esta é a pergunta que um cristão faz, sobretudo nos dias de hoje, permanentemente, nas mais diversas situações da sua vida.

Jesus Cristo respondeu a essa pergunta de forma simples e direta. Ser próximo do outro significa ajudar o outro, independentemente das suas origens, do seu estrato social e até da sua fé. Por isso, é que respondendo a essa pergunta, o Filho de Deus coloca um sacerdote e um levita num patamar inferior de preocupação com o próximo e coloca um samaritano, alguém ostracizado pela fé judaica, a corresponder na integra às exigências do amor cristão para com quem é próximo.

Não sei se o Miguel Duarte é cristão ou não. Não sei, nem é importante saber para ter a certeza que é alguém muito preocupado com o seu próximo. Para quem não sabe, o Miguel Duarte é um jovem de 25 anos que interrompeu o curso de Matemática no Instituto Superior Técnico para ir como voluntário para o Mar Mediterrâneo, através de uma ONG alemã, ajudar a salvar as vidas dos imensos refugiados que vêm fugidos dos seus países, por causa da guerra e fome.

Miguel Duarte está a fazer aquilo que eu e muitos outros gostaríamos de estar a fazer. Mas por causa de salvar os outros, arrisca-se a ser condenado pela justiça italiana a 20 anos de prisão, num processo instaurado pelo governo desse país. O governo italiano é controlado pelo cristão Sr. Salvini, que permanentemente insiste em ser recebido pelo Papa Francisco e que se afirma defensor da moral cristã, dos bons costumes, da Igreja Católica, mas se esquece do seu próximo e quer condenar quem ajuda o seu próximo. O Sr. Salvini, o mesmo que em Portugal é defendido pelo Dr. André Ventura, ex-seminarista no Patriarcado de Lisboa e assumidamente cristão.

O Dr. André Ventura, recentemente num artigo de opinião publicado no Jornal I, defendeu a condenação de Miguel Duarte por fazer o que Jesus Cristo nos mandou fazer na parábola do bom samaritano e foi mais longe, ao dizer que o nosso Presidente da República devia, também, ser condenado por defender Miguel Duarte. De facto, o cristianismo do Dr. André Ventura é, no mínimo, muito peculiar, para não dizer estranho. Infelizmente, estes dois senhores representam um grupo cristão católico conservador, que pensa que o Papa Francisco faz mal em defender os que salvam as vidas dos refugiados.

Para mim, isto é muito sui generis. Ser cristão é cumprir o Evangelho relativamente a todas as pessoas, sejam elas refugiados muçulmanos ou de outra origem qualquer. Na parábola contada por Jesus Cristo, o samaritano não faz um interrogatório ao homem caído à beira do caminho antes de o ajudar. Ajuda-o e pronto. Depois cada um vai à sua vida. É por isso que, tal como me ensinou Jesus Cristo, prefiro um bom samaritano, agnóstico, ateu, muçulmano, seja de que origem, religião ou condição social for, a um mau cristão. E é pelas obras e atitudes que nós distinguimos um bom de um mau cristão, já nos diz São Tiago: «Refleti sobre isto, pois: Quem sabe que deve fazer o bem e não o faz, comete pecado (Tiago 4:17)».