O padre António Martins defendeu hoje a necessidade de “caminhos consensuais” que promovam “pontes” entre posições polarizadas na Igreja e fora dela que ajudem a promover a esperança.

“Nós vivemos polarizados em tudo, na Igreja, na política, na economia, na cultura. Onde é que estão os valores consensuais do meio que fazem pontes? É por aí que se constrói a esperança no quotidiano, numa comunhão dialogada ou dialogável”, advertiu o sacerdote da Diocese do Algarve, capelão da capela do Rato, em Lisboa, e docente na Universidade Católica Portuguesa, na reflexão que apresentou em Faro ao clero algarvio no âmbito da celebração do Dia do Seminário de São José.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Se não acreditarmos em projetos consensuais ou comungáveis e nos entrincheirarmos à esquerda ou à direita em monolitismos políticos e ideológicos é o próprio futuro do mundo e da convivência entre Estados que está em causa”, alertou durante a sua intervenção, que teve lugar no próprio Seminário da diocese algarvia, sobre o tema da esperança.

“A esperança não é tema fácil precisamente a começar pelo contexto histórico em que vivemos, tão problemático, incerto e obscuro, em que certos valores civilizacionais, democráticos, de diálogo, de direito internacional, do valor da vida, estão, para perplexidade de uns, escândalo de outros e regozijo de outros, completamente desmontados, alterados e virados do avesso”, considerou, explicando estar em causa o “futuro da Europa” e o “diálogo internacional entre os povos”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O sacerdote acrescentou que “também a Igreja está num momento difícil”, referindo a “fragilidade do Papa, impasses internos, sinodalidade que avança ou não avança, reformas possíveis ou reformas adiadas”. “Que esperança é a nossa? Para onde caminha a esperança? Com que ilusões, com que resistências? Com que renovações? Com que reinveções? Que futuro queremos para a Igreja? Andamos tateando entre impasses, avanços, hesitações, medos. O futuro será, necessariamente, o da sinceridade católica de unidade na diferença”, considerou, lembrando que a identidade católica “é inclusiva” e encontra no Papa, seja ele qual for, “o elo e a expressão visível da unidade na diversidade”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

“Pergunto nos grupos de leigos, com quem partilho inquietações, onde é que está hoje a condição da Doutrina Social da Igreja, aquilo que fez a militância política de um punhado de católicos que asseguraram a transição para a democracia e ajudaram a construir o estado social que é o nosso e que assumiram publicamente o seu testemunho católico em diversidade de contextos políticos”, prosseguiu, considerando que ainda que o catolicismo, na questão da defesa da vida, não pode apenas limitar-se à problemática do aborto e esquecer as questões da imigração, da pena de morte ou da inclusão dos estrangeiros.

“E no rearmamento que está emergente na Europa, qual é a condição pacifista que o catolicismo pode introduzir como profetismo? É isto ingenuidade ou é profecia? Não sei. Tenho dúvidas, perplexidade, mas aqui estou”, disse ainda.

Padre António Martins exortou clero algarvio à esperança, partindo da “literatura como lugar teológico e antropológico”