
Em declarações ao Folha do Domingo, o presidente da Cáritas Portuguesa considerou que a desejada organização da pastoral sóciocaritativa em Portugal “tem que ter dois pressupostos: respeitar a diversidade e apostar na comunhão”.
À margem das XVII Jornadas de Ação Sociocaritativa da Diocese do Algarve – que este ano constituíram simultaneamente o VIII Encontro dos Centros Sociais Paroquiais e das Santas Casas da Misericórdia promovido pela diocese algarvia e que decorreram no passado sábado no Centro Pastoral e Social da diocese algarvia em Ferragudo – Eugénio da Fonseca destacou que “organização é articulação” e não “centralizar” ou “criar comandos” e defendeu que aquela necessidade torna-se “uma exigência para que, na diversidade, se possa criar maior fortalecimento desta missão da Igreja” naquele setor.

Aquele responsável considera que a articulação visa o “fortalecimento interno” e o próprio “conhecimento”, para além da “partilha de experiência” que “seria muito mais enriquecedora para todos”. “Quantas pessoas é que a Igreja ajuda? Não sabemos”, lamentou, acrescentando outro exemplo. “Podemos estar a criar instituições onde já existem múltiplas respostas e estarmos a deixar de parte outras que não existem”, sustentou, apontando outra vantagem da organização: “não passava com tanta facilidade a ideia de que nós fazemos caridade à conta do Estado”. “Esta ideia é perniciosa, não é verdade. Aquilo que o Estado dá não contempla os grupos paroquiais que, assentes no voluntariado e na dádiva, fazem atendimento direto às famílias em situações de carência. Se fossemos capazes de nos organizar (…) íamos chegar à conclusão de que o Estado não era o suporte principal desta ação [social]”, considerou.
O presidente da Cáritas Portuguesa lamenta ainda que relativamente ao trabalho destas instituições sociais da Igreja passe a imagem da “assistência direta”. “No auge da crise passava muitas vezes essa ideia peregrina de que é preferível «dar a cana» a «dar o peixe». Se não tivéssemos levado o pão a muitas mesas e os medicamentos a muita gente que estava a ficar doente, fazendo a tal assistência, não havia força para o ânimo que voltou”, refere, considerando ser “preciso dar pão sem esquecer a outra parte: perguntar sempre às pessoas por que é que tem carência de pão”. “E há muitas e felizes experiências nesse sentido, no âmbito da promoção das pessoas, do desenvolvimento local, da denúncia e da mudança de medidas que não favorecem os mais desprotegidos”, assegura, explicando que por causa de não haver articulação isso “não se consegue mostrar”.

Eugénio da Fonseca diz que, para a implementação da desejada organização, falta “vencer preconceitos que não são só da Igreja, mas da sociedade portuguesa em geral e do mundo”. Aquele responsável lembra que, “em termos canónicos, compete ao bispo na sua diocese” e assegura que “vontade existe” por parte do episcopado. “Não se consegue porque da nossa parte – de todos os que estamos no terreno – não tem havido essa disponibilidade de abertura”, lamenta, acrescentando que “enquanto houver a lógica do poder é muito difícil a organização seja do que for”.
Neste sentido, diz ser “preciso passar para a ideia do serviço” para atingir a “boa vontade das bases”. “Isto é um trabalho que requer mudança de mentalidades porque se for por imposição não acontece e, se calhar, tem de começar por aqueles que se querem organizar e com esses irmos criando passos de aproximação”, sugere, desaconselhando à intromissão em “esferas não específicas da Igreja”.

O responsável nacional da Cáritas rejeita que o país já tenha saído da crise. “Estamos ainda numa situação de crise. Tudo aponta para estarmos no caminho da sua saída, mas cuidado”, alerta, justificando com a realidade que a Cáritas vive atualmente. “Temos menos gente nos atendimentos, mas temos mais gente a vir mais vezes”, conta, acrescentando que “a causa principal da vinda das pessoas à Caritas é a falta de rendimentos”. “Há gente que está empregada, mas continua sem rendimento para sair da situação de carência, alguns porque têm dívidas que vêm detrás, outros porque os salários são baixos”, sustenta, dando como exemplo o “aumento das rendas de casa”.
Aquele dirigente conclui que “a situação é melhor”, mas denuncia sinais que podem ser de retrocesso como o do “aliciamento ao crédito” que garante ter voltado. “Este crescimento assenta no turismo”, diz, considerando ser preciso “caminhar para uma economia mais estável em termos da sua consistência estrutural”. “Ela tem de ser mais exportadora do que alimentar-se daquilo que é básico para nós”, defende, acrescentando ser necessário “olhar para a questão do emprego dos jovens” e também para “outra coisa que está na base disto tudo e que é um problema da Europa, a demografia”.