O historiador José António Martins, que se deslocou a Londres em 2019 para aferir da existência das obras impressas de D. Fernando Martins de Mascarenhas na Bodleian Library da Universidade de Oxford, confirmou ao Folha do Domingo a presença ali de “um avultado conjunto de obras com as armas” (brasão) do bispo do Algarve que esteve à frente da diocese entre 1594 e 1616.

Biblioteca do Bispo do Algarve (D. Fernão Martins Mascarenhas) detêm esta simbologia
gravada a ouro sob o couro • Foto © José António Martins
“Numa semana, conseguimos observar várias dezenas de obras (numa totalidade em inventário superior aos 100 volumes) e digitalizar alguns frontispícios das que nos foi possível observar durante os dias que passámos em Oxford”, conta o investigador de Lagos num artigo enviado após o contacto de Folha do Domingo, acrescentando que “muitas dessas obras têm anotações do próprio proprietário (o que indicia que as leu), bem como alguns comentários aos textos impressos”.
José António Martins, mestre em História Medieval pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, adianta ainda a existência de “dois incunábulos do século XV” e destaca o bom “estado da encadernação das obras”, maioritariamente em latim, dando a “impressão de que tinham saído da tipografia há poucas semanas”.

O historiador, que assegura o intento de voltar à Bodleian Library, revela que “esta Livraria será estudada em pormenor entre 2022 e 2024, considerando as particularidades da mesma e a elaboração de um quadro comparativo com outras Livrarias já conhecidas em Portugal para o mesmo período”.
José António Martins sublinha que a biblioteca de D. Fernando (ou Fernão) Martins de Mascarenhas foi “saqueada em Faro em julho de 1596 no âmbito da guerra entre Portugal e a Inglaterra no contexto da União Dinástica”. “Em 1596 existiu um saque, a palavra mais apropriada para uma ação desta natureza em tempos de guerra. Se tal não existisse, não se entenderia as cartas dirigidas a monarcas e ao próprio Papa sobre o assunto”, escreve o historiador, acrescentando que “sempre foi intento do Bispo, até ao ano da sua morte, em 1628, recuperar a sua Livraria”.
Quem era o bispo D. Fernando Martins de Mascarenhas?
José António Martins explica que o antigo bispo do Algarve foi “um homem muito importante, de uma família nobre de Portugal do século XVI”, cujos membros tiveram “cargos importantíssimos”. “Sendo prior da Colegiada de Guimarães, veio para o Algarve indigitado pelo rei Filipe I de Portugal (II de Espanha) para bispo do Algarve”, acrescenta acerca do prelado que diz ser “um homem muito instruído” e conhecedor cultura portuguesa. “Para além de ter sido bispo do Algarve, era um jurisconsulto”, complementa.
“Este homem é transversal a toda a região. Fundou, em Portimão, o Colégio dos Jesuítas, em Faro também e, em Lagos, foi o Convento da Trindade em que ele comparticipou”, prosseguiu, explicando que o bispo esteve também presente nas Misericórdias. “Enquanto bispo do Algarve, foi um homem importantíssimo para a região em termos de organização da diocese internamente e em termos da própria região enquanto Reino do Algarve”, observou, garantindo que D. Fernando Martins de Mascarenhas “deixou uma marca fundamental”.
D. Fernando Martins Mascarenhas, que nasceu em 1541 em Montemor-o-Novo e faleceu a 20 de janeiro de 1628, tendo saído do Algarve em 1616 para ser inquisidor-geral, foi também reitor da Universidade de Coimbra, responsável pela reforma daquela academia.