
“Temos que mudar o nosso paradigma de comunidade cristã e de nos sentirmos comunidade cristã”. O desafio foi deixado pelo padre António de Freitas na VIII Jornada Bíblica da Diocese do Algarve, que decorreu no passado sábado no seu Centro Pastoral e Social em Ferragudo com a presença de 67 participantes.
O sacerdote, que é simultaneamente o vigário episcopal para a pastoral da diocese algarvia, defendeu ser necessário passar a ter a dimensão externa como a “grande preocupação” nas paróquias. “Não podemos continuar com uma programação e organização paroquial que só pensa na vida interna, na manutenção e na arrumação”, advertiu, acrescentando que a comunidade “não vive para si, para a automanutenção”.
“Em que medida as nossas ações pastorais e as nossas programações têm presente como preocupação maior os que ainda não abraçaram a fé? Muitas vezes não pensamos, nem programamos a ação eclesial das nossas comunidades para o dinamismo evangelizador, para um dinamismo de saída, de proximidade, de encontro com os homens e mulheres que não são cristãos. Programamos tudo em função da manutenção da nossa estrutura paroquial”, lamentou, acrescentando que “ser evangelizador missionário” “é precisamente pensar toda a ação eclesial numa perspetiva de saída”.

Na Jornada Bíblica, que voltou a ser este ano promovida pela Igreja algarvia, através do Centro de Estudos e Formação de Leigos do Algarve (CEFLA), e teve como tema “A missão evangelizadora na Igreja das origens”, o padre António de Freitas constatou que a “missão evangelizadora” “nos dias de hoje implica um diálogo permanente, difícil, mas necessário com os homens e mulheres” hodiernos.
“Como é que estão incluídos os ambientes, as vidas e as situações das pessoas no nosso pensar quotidiano da ação eclesial?”, interrogou, lembrando que “a paróquia nasce para isto: para que se tenha em conta os vários ambientes, o viver quotidiano”, para fazer “chegar a todos o evangelho, sem que ninguém fique esquecido”. “Como responder às necessidades das pessoas, como chegar a este grupo, compreendendo primeiro a natureza, a linguagem, o viver desse grupo?”, prosseguiu, lembrando ser “isto que a paróquia é chamada a fazer” e que “não se pode anunciar o evangelho fora da vida das pessoas, sem compreendermos as pessoas”.

“Proximidade, encontro e presença são palavras-chave e atitudes fundamentais na realidade paroquial, para a qual deve tender toda a ação e programação pastoral de uma paróquia”, alertou, acrescentando o perigo de uma “linguagem que não atinge as necessidades, nem as capacidades das pessoas”. “Não podemos programar uma ação eclesial desencarnada das necessidades daquelas pessoas, nem pensar que uma mesma ideia se aplica de igual modo em todos os sítios”, observou, garantindo ser a “vida quotidiana” de cada pessoa que “se torna instrumento para o Senhor falar aos corações” e não a vida de cada missionário cristão no âmbito litúrgico da paróquia. “O âmbito litúrgico alimenta, fortalece, reanima”, clarificou.
O formador, que apresentou uma reflexão sobre o tema “A paróquia: comunidade de discípulos missionários” e desafiou a “repensar a ação evangelizadora paroquial”, defendeu assim que a paróquia, “na sua dimensão organizativa – pastoral profética, litúrgica e caritativa” –, deve ser entendida como “ponto de partida e não de chegada”. “A comunidade cristã não pode ser aquele lugar para onde tendemos simplesmente com o intuito de estar, receber e permanecer.
A paróquia é o espaço de encontro com o Senhor para partirmos, não um espaço de chegada para ficarmos”, advertiu, exortando cada cristão a deixar-se “enviar e partir em missão”. “A comunidade é o lugar onde passamos para nos alimentarmos e deixarmos cuidar pelo Senhor para de novo partirmos”, sustentou.
O padre António de Freitas defendeu igualmente uma “mudança de mentalidade” relativamente à compreensão do que são “cristãos comprometidos ou agentes de pastoral”. “Pensar que sou cristão comprometido porque recebi uma tarefa ou serviço leva a subentender que os que não o têm são cristãos descomprometidos”, lamentou.
“É preciso empreender o esforço de preformar o nosso coração e a mente de tantos membros das nossas comunidades cristãs para entender e se entenderem a eles mesmos como cristãos comprometidos, agentes de pastoral quotidianos, evangelizadores ativos dos ambientes, discípulos missionários dos lugares onde acontece as suas vidas”, acrescentou, lembrando que “cada batizado é um agente de pastoral no lugar onde vive, é um missionário na sua família e no seu trabalho”.

Rejeitando “uma ideia de exclusividade da missão”, o formador destacou que “ser discípulos missionários não é uma questão que pertença só a uns quantos”. “Todos são chamados para ser enviados”, afirmou, considerando que “a confiança e delegação que Jesus faz do seu poder aos discípulos não parte, não tem como critério, as capacidades e qualidades dos mesmos”. “O Senhor não chama pensando nas nossas capacidades porque é Ele quem nos vai capacitar. Ele chama-nos sempre em função do maior bem do povo, de que se cumpra o seu projeto”, acrescentou, salientando que “cada membro deve sentir-se evangelizador ativo dos demais homens e mulheres”. “Haverá nas nossas comunidades esta consciência de que cada cristão é, não apenas um recetor, mas simultaneamente recetor e transmissor?”, interrogou.
Por fim, o orador exortou ao alargamento dos órgãos de decisão da paróquia com vista a uma maior representatividade e lembrou que “uma comunidade de discípulos missionários deve ser capaz de gerar vocações missionárias” para “servir as próprias comunidades dentro das várias realidades geográficas, mas também para ajudar e se disponibilizarem para servir outras comunidades desprovidas ou mais pobres”. “Se a comunidade tomar conhecimento de lugares ou mesmo de outras comunidades que precisam de ser ajudadas e apoiadas porque não discernir a possibilidade de oferecer ou enviar dois ou três leigos para servir e ajudar essa comunidade e assim ela se poder refazer e revigorar-se? É por aqui que passa o futuro das nossas comunidades cristãs”, concluiu.
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