Na última sexta-feira, dia 23 de Julho, a Diocese do Algarve promoveu um jantar-tertúlia com os representantes algarvios da área da cultura que participaram no encontro com o Papa Bento XVI no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, em Maio passado.
Do encontro informal, que teve lugar no restaurante Casa Azul em Albufeira, tomaram então parte D. Manuel Quintas, Bispo do Algarve, o padre Carlos César Chantre, capelão da Universidade do Algarve (UAlg), o padre António Manuel Martins, docente da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa, João Guerreiro, reitor da UAlg, Lídia Jorge, escritora, Nuno Júdice Glória, professor e poeta, Mello-Sampayo, reitor do INUAF – Instituto Superior D. Afonso III, o major António Matias, inspector do Turismo de Portugal, e Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Centro Nacional de Cultura e um dos convidados, cujas raízes ao Algarve são também conhecidas, que se sentou no palco ao lado do Papa.
No encontro, de que não puderam participar Maria da Graça Marques, docente da UAlg, Luís Vicente, actor, e Teodomiro Neto, historiador, recordou-se a visita papal a Portugal, particularmente o encontro do CCB, e deu-se-lhe continuidade na certeza manifestada unanimemente por todos de que constituiu um “desafio para Igreja”, procurando apontar consequências em ordem ao futuro. Unânimes foram então todos em considerar que o Papa quis retomar essa relação profunda da Igreja com o mundo da arte e da cultura vivida em anteriores épocas.
Neste sentido, Guilherme d’Oliveira Martins, que classificou o actual Papa como um “intelectual extraordinário” e “teólogo brilhantíssimo”, destacou a forma como Bento XVI tem chamado a atenção para a importância da cultura e da criação. “Este Papa veio dizer-nos no CCB que os criadores têm um papel absolutamente extraordinário e que se não estivermos atentos a essa criação não estamos atentos a nada de fundamental”, afirmou.
Destacou ainda a acção da Igreja na “relação adulta” com a cultura e neste domínio, concretamente a iniciativa do Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, e do padre Tolentino de Mendonça na responsabilidade que teve no encontro do CCB. “Não se trata de uma relação que ponha em causa a necessária liberdade e autonomia da criação. Nesse sentido, o que aconteceu no CCB deveu-se a um trabalho prévio, não foi uma acção de propaganda”, considerou.
Lídia Jorge referiu que “o Papa exigiu uma revolução em relação aos cristãos, mais do que aos criadores”. “Chamou a atenção dos cristãos de que têm respeitar o acto da criação como alguma coisa de inaugural na vida de todos. O mais importante foi dizer que os criadores – que não são nem mais, nem menos importantes que as outras pessoas – movem-se no mesmo campo, no mesmo desejo de totalidade, pois o que há de comum entre criadores e pessoas da religião é que ambos querem ir à totalidade das coisas e procuram a unidade”, afirmou.
A escritora considerou mesmo ter havido uma perspectiva kantiana “bastante forte” no discurso de Bento XVI. “O Papa falou da criação como algo que é prévio às outras categorias do pensamento. Isso é muito importante porque não exclui ninguém e transformou numa atitude inclusiva aquilo que muitas vezes aparece como elemento de exclusão”, frisou, considerando ainda que o Papa “pôs-se ao lado daqueles que tentam expulsar o mal do mundo, criando beleza”. “Tenho ideia de que o Papa está num caminho inclusivo e que pode chamar para uma mesma mesa aqueles que vivem com a preocupação de limpar o mais possível o mundo”, complementou, considerando que Bento XVI “agiu da melhor forma para chamar os criadores através da mensagem fundamental e prioritária do humanismo cristão”.
Lídia Jorge defendeu ainda que o Papa tem uma posição que se distancia “em relação a um certo comodismo e conservadorismo da sua Igreja”. “Dá um passo de vanguarda na Igreja e questiona”, salientou a escritora, que defendeu que Bento XVI fez em Portugal algumas declarações que “foram para o mundo no momento exacto”.
Nuno Júdice Glória concordou que “talvez o mais importante deste encontro seja o facto de o Papa ter querido fazer voltar a Igreja a essa relação profunda que tinha com a criação e também dizer-nos qual é o sentido daquilo que fazemos”. “Dizer que a beleza faz parte do destino do homem é dizer que a arte pode dar uma resposta e fazer com que as pessoas, ao contemplar uma obra artística, sejam capazes de perceber que existe uma dimensão do tempo que as pode fazer voltar a sonhar”, acrescentou Júdice Glória, que reconheceu que foi ao compreender quem era o actual Papa que percebeu a “importância que para ele tem o pensamento e levar as pessoas a pensar o que são as coisas”.
João Guerreiro, reitor da UAlg, também destacou a intenção do Papa de “encontrar uma sobreposição entre as dinâmicas da criação e ao pensamento predominante da Igreja que tradicionalmente podia ser entendido como conservador”. “De uma forma muito simples mobilizou um auditório para um conjunto de princípios daquilo que é a nossa reflexão e esperança. Sublinhou os aspectos relacionados com a criação e a beleza cruzando com a tal critica ao imediatismo”, afirmou, destacando o “discurso límpido, claro e mobilizador” de Bento XVI.
Mello-Sampayo destacou também o encontro com Bento XVI como um “momento superior”, mas mostrou-se mais preocupado com o futuro. Neste sentido desafiou os restantes delegados algarvios a “prestar um serviço à comunidade”, dirigindo, no início do próximo ano lectivo, uma palavra escrita de esperança para a juventude e para todo o restante “povo de Deus” algarvio que precisa de ter esperança no futuro. “O facto de ter ido ao encontro do CCB deu-me maiores responsabilidades e são essas responsabilidades que eu gostaria de ver concretizadas ao serviço desta população”, disse.
Aproveitando a dica, o padre César Chantre questionou o futuro daquele grupo. A proposta de um novo encontro, a anunciar em breve, foi bem aceite por todos e Lídia Jorge sugeriu a divulgação do discurso do Papa no CCB junto dos universitários e alunos mais velhos das escolas secundárias como ponto de partida para reflexão. A escritora considerou que, caso tenha continuidade, a aproximação da Igreja ao mundo da cultura pode “religar algo que está separado há um século”.
O Bispo do Algarve manifestou a opinião da Conferência Episcopal Portuguesa de que o sucesso da visita papal se deveu muito ao encontro no CCB e à missa no Terreiro do Paço que “alteraram profundamente a concepção que a maioria das pessoas tinha do Papa”. “Na vossa adesão a este encontro vimos que não era só desejo dos bispos, mas também uma necessidade. À Igreja interessa muito escutar a vossa sensibilidade e o modo como gostaríeis que correspondêssemos neste âmbito da cultura”, concluiu D. Manuel Quintas.
Samuel Mendonça