Os Banhos Islâmicos de Loulé “cumpriam uma função religiosa fundamental” de “purificação do corpo do crente”, explicou a arqueóloga Susana Gómez Martínez na apresentação, no passado dia 11 de maio, do primeiro volume da monografia sobre aquele edifício classificado como Monumento Nacional.

Aquela técnica, que integrou a coordenação científica da obra, acrescentou tratar-se de “um ritual importante” porque se acreditava que “só essa purificação do corpo aproximava também a alma a Deus”.

A arqueóloga de Campo Arqueológico de Mértola e investigadora da Universidade de Évora, acrescentou que essa motivação religiosa permitiu “algo muito importante, sobretudo para as mulheres porque lhes dava o pretexto de sair do restrito espaço privado do lar e do núcleo familiar”.
A historiadora explicou que os banhos “era o sítio por excelência de sociabilidade da mulher, onde não tinha o olhar de um homem da família a censurar aquilo que ela fazia”. “Era um sítio que tinha a função fundamental de criar laços entre famílias, entre grupos diferentes. Era algo que se fazia num ambiente muito intimista, de relax, mas também de alguma modéstia”, acrescentou.

Intitulada “Banhos Islâmicos e Casa Senhorial dos Barreto: Do Lugar ao Museu”, a publicação editada pela Câmara e pelo Museu Municipal de Loulé, aborda o projeto de musealização, mas também toda a história e legado daquele espaço que está intimamente ligado à origem da própria cidade.

Susana Gómez Martínez explicou ainda que o conceito dos banhos islâmicos era “bastante diferente do das termas romanas, sobretudo por se tratar de uma forma de lidar com o espaço e com a limpeza e purificação do corpo muito mais recatada e mais preocupada não só com aspetos físicos, mas também espirituais”. “Estamos muito acostumados no nosso mundo cristão a que o corpo e a alma estejam muito separados, como se um fosse inimigo do outro. Isso é algo que não acontecia no Islão. O corpo e a alma não estão tão dissociados. Era um momento de encontro entre as duas dimensões e também de respeito e de conciliação entre elas”, sustentou.

A investigadora destacou ainda o “caráter terapêutico que a higiene e o banho tinham”. “Para além da purificação do corpo em relação à alma, também era um exercício de saúde. O banho era entendido como uma prática para manter saudável o corpo”, completou a arqueóloga, explicando que aqueles achados “são a única estrutura percetível e bem conservada de banhos públicos”.

O historiador Luís Filipe de Oliveira acrescentou ser “particularmente interessante verificar como um espaço público – os banhos almóadas de Loulé – se converteram num espaço privado”, que embora “paço privado” tinha como proprietária uma “família que tinha poderes públicos”. “Os seus proprietários eram detentores de poderes públicos porque o dono do paço era mais do que um simples proprietário, era o senhor do Reguengo de Quarteira”, lembrou, acrescentando que “as atas de vereação do concelho classificam o Reguengo de Quarteira como a melhor coisa que o conselho tinha”.

Aquele docente auxiliar convidado da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UAlg e investigador do Instituto de Estudos Medievais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa destacou a “arquitetura de poder” do edifício. “É o único paço urbano conservado a sul do Tejo com uma arquitetura de qualidade, a par das tendências mais dinâmicas da arquitetura senhorial portuguesa”, desenvolveu, aludindo também ao “centro de poder que marcava o espaço”.

Luís de Oliveira disse que não são apenas os Banhos Islâmicos de Loulé que são indiscutivelmente um tesouro. “Um outro tesouro é o paço senhorial que se lhe sobrepôs por meados do século XV”, acrescentou, referindo-se à Casa Senhorial dos Barreto.
Aquele investigador realçou ainda a importância do trabalho de equipa. “As intervenções nos centros históricos urbanos são sempre demasiado importantes para as confiarmos a uma única especialidade científica. Intervir em cidade, e sobretudo em cascos históricos, exige equipas pluridisciplinares que consensualizem decisões porque intervir nestas zonas implica tomar decisões que, muitas vezes, são irreversíveis”, justificou.

Através das páginas da monografia é possível perceber o processo que, ao longo de mais de uma década, desde os trabalhos arqueológicos que puseram a descoberto os Banhos, com as campanhas de escavação em 2006, até à inauguração daquele espaço museológico, no ano de 2022, levou à edificação daquela que é já considerada uma “joia” do património histórico do Sul do país. Reúne também a análise historiográfica quer do edifício do Hammam de Al-‘Ulyà, quer da Casa Senhorial do século XV propriedade de Gonçalo Nunes Barreto.

A publicação foi distinguida pela APOM – Associação Portuguesa de Museologia, numa cerimónia que decorreu na Alfândega do Porto no passado dia 31 de maio. Nos prémios anuais promovidos por esta associação, a diretora municipal da autarquia de Loulé, Dália Paulo, responsável pelo Museu Municipal e pelo setor da Cultura, também foi premiada com o galardão de “Mérito Profissional na área da Museologia”, ela que foi precisamente uma das obreiras da musealização dos Banhos Islâmicos e Casa Senhorial dos Barreto.

Recorde-se que, em 2023, a musealização e valorização dos Banhos Islâmicos e Casa Senhorial dos Barreto foi laureada nos Prémio APOM, nas categorias de “Projeto de Museografia” e de “Salvaguarda, Conservação e Restauro em Património Cultural”.
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