A intervenção, da responsabilidade do padre António Manuel Martins, sacerdote da Diocese do Algarve e professor da Faculdade de Teologia de Lisboa da Universidade Católica Portuguesa, decorreu no passado dia 24 de Abril numa sala do Seminário de São José, em Faro.
O orador começou por salientar que, através das suas três encíclicas – ‘Deus caritas est’, ‘Spe salvi’ e ‘Caritas in veritate’ – Bento XVI oferece a toda a Igreja e a toda a humanidade uma proposta, não apenas da vivência actualizada da fé cristã traduzida na prática do amor (caritas) e na abertura à esperança (spes), como também desafia os estados, as organizações internacionais, os homens e as mulheres comprometidos nas estruturas políticas, económicas e culturais, a reverem comportamentos e a promoverem o desenvolvimento integral do homem, como prática política (pública) do amor”.
“O tema do amor e da esperança surgem como os dois aspectos mais salientes e aglutinadores de toda a reflexão desenvolvida pelo Papa nas suas encíclicas. A proposta da universalidade do amor é a proposta, com as suas consequências económicas, sociais e políticas”, afirmou o conferencista, lembrando que “as três encíclicas são textos densos, ricos na sistematização e desenvolvimento dos seus conteúdos, com uma linguagem técnica (tanto teológica como económica) cuja leitura e recepção do grande público nem sempre é fácil e imediata”. Não obstante, “é um Papa que transporta consigo o rigor intelectual de teólogo mas também a sabedoria em traduzir, numa linguagem clara, a riqueza e a profundidade da tradição cristã”, afirmou o padre António Martins, considerando serem “textos onde a autoria papal não é apenas formal, é também material”. “Podemos identificar, nas encíclicas, o estilo teológico de Ratzinger: a clareza da linguagem, a dimensão expositiva em permanente diálogo com o leitor, o permanente apelo à essencialidade da fé cristã, ao recentramento na caritas de toda a experiência cristã e de todo o agir eclesial”, complementou.
O orador sublinhou ainda que podemos ver nas encíclicas “a preocupação do actual Papa em orientar a vida eclesial para o essencial da experiência da fé, o encontro pessoal com Jesus Cristo que nos liberta e funda o sentido da nossa vida”.
Precisando o título da sua comunicação, o conferencista procurou fazer uma leitura das encíclicas, evidenciando as “implicações e as concretizações antropológicas”, ou seja, procurando identificar que visão de homem apresentam as encíclicas papais, tendo em conta a sua sequência cronológica e a sua complementaridade.
A propósito da encíclica ‘Deus caritas est’, o padre António Martins destacou a “formação humanista e personalista” de Ratzinger e a “facilidade com que aborda tanto questões filosóficas como teológicas”. “Estamos perante um documento que surpreende. Não pela novidade em termos teológicos, mas pela novidade de, no magistério pontifício, aparecer uma abordagem realista e serena de temas nem sempre presentes na existência e na reflexão cristãs, como a dimensão erótica do amor e a corporeidade”, disse, acrescentando que “há na ‘Deus caritas est’ o embrião de um pensamento de Bento XVI, que será desenvolvido e explicitado da última encíclica, ‘Caritas in veritate’: a dimensão política do amor”.
Já no contexto da encíclica ‘Spe Salvi’, o padre António Martins destacou que, após a sua primeira encíclica sobre a caridade (‘Deus caritas est’), o Bispo de Roma oferece a todos os cristãos “uma densa e profunda reflexão sobre o sentido da esperança cristã, saída do seu próprio punho”. “Num tempo, como o nosso, marcado por um profundo desencanto colectivo, por um pessimismo existencial, pelo sofrimento e pela injustiça gritante em tantas áreas do globo, o apelo do Papa à radical motivação da esperança cristã não só é oportuno como constitui mesmo uma autêntica mensagem profética para os nossos dias”, salientou, destacando tratar-se de um “magistério pontifício centrado no essencial da fé cristã: as suas verdades teologais”. “Primeiro o amor (caritas) e agora a esperança (spes). Não é de excluir que, no futuro, uma próxima encíclica possa abordar a questão da fé (fides)”, vaticinou.
No mesmo dia, na Sé Catedral de Faro, ao final da tarde, o Bispo do Algarve, D. Manuel Quintas, presidiu a uma concelebração eucarística de acção de graças pela eleição do Papa.
Samuel Mendonça