Na palestra, que decorreu em Faro na sede da secção regional do Algarve da Ordem dos Médicos, a médica explicou que Portugal é o segundo melhor país do mundo na área da doação de órgãos, com 329 dadores, logo a seguir a Espanha. “Só não seremos os primeiros se não continuarmos esta cruzada com persistência, porque temos um povo muito solidário e uma lei muito melhor do que a espanhola”, advertiu, prognosticando que este ano “vamos estar ao lado dos espanhóis”. “Em 2010 vamos ser o primeiro país do mundo a transplantar rins de dador cadáver por milhão de habitante”, acrescentou Maria João Aguiar, garantindo que, no transplante de fígado, Portugal é já o “primeiro do mundo em número de transplantes por milhão de habitante”.
Apesar destes resultados animadores, a oradora reconheceu que o número de órgãos para transplante está “muito abaixo da necessidade dos doentes em lista de espera”. Mesmo com os “grandes avanços” dos últimos anos, considerou que “os órgãos nunca vão chegar” porque “a transplantação é vítima do seu sucesso”. “Quanto melhores são os resultados, mais doentes indicamos para transplante e maior é a lista de espera”, concretizou, lamentando que este ano já tenham morrido 10 doentes sem que, no país, tenha sido possível encontrar um órgão.
A conferencista, perante uma sala com pouco mais de uma dezena de profissionais da saúde, garantiu que só os doentes transplantados o ano passado vão permitir poupar ao Estado um mínimo de 174 milhões de euros em 10 anos.
Por outro lado, a médica reconheceu que a sua classe foi treinada “para tratar doentes, mas não para fazer o que a doação de órgãos exige”: trabalhar depois da morte dos seus doentes.
Regozijou-se também com o facto de haver na população portuguesa apenas 0,35% de não dadores de órgãos. “Temos uma população connosco que percebe os benefícios do transplante”, afirmou.
Não obstante os bons resultados na transplantação de órgãos, Maria João Aguiar explica que há “muito a trabalhar na colheita”. “Temos de fazer com que a colheita de órgãos seja acessível a qualquer cidadão”, defendeu, apesar de destacar a evolução dos últimos três anos em que a colheita aumentou em 64%. “Começámos a ter outra possibilidade de aproveitar os dadores”, justificou, referindo que a colheita na zona sul do país aumentou 31%.
Explicando que a média nacional por dador é de quase 3 órgãos, a médica sublinhou que “não há idades limite para doação”. “Em 2009 tivemos o dador mais velho com 86 anos que salvou uma rapariga em fulminante, mas os espanhóis tiveram o dador mais velho com 94 anos”, afirmou, explicando que 71% dos dadores estão em “morte cerebral por causas médicas”, “vítimas de AVC na sua esmagadora maioria”, e que cada vez há menos “dadores por traumas” provocados por acidentes.
Também a descentralização dos locais da colheita foi importante nos actuais resultados. “Em 2006, 70% da colheita era feita em Lisboa, Porto e Coimbra e, em 2009, metade dos órgãos colhidos passou a ser feita nos hospitais com unidades de cuidados intensivos”, adiantou, garantindo que “estatisticamente, os dadores vivem mais anos do que os não dadores porque têm uma assistência médica muito «mais apertada» e cuidados de saúde melhores do que a população em geral”.
Maria João Aguiar explicou ainda que todos os órgãos colhidos “não são desperdiçados” e que as doações de cada zona são preferencialmente para doentes da mesma área. “Quando não temos receptores em Portugal oferecemos a Espanha. De Espanha recebemos, no último ano, um coração pediátrico que permitiu salvar a vida de uma criança portuguesa”, complementou, aludindo a um acordo com o país vizinho.
A médica, que explicou que o transplante cardíaco “não tem lista de espera” em Portugal, considerou que a indicação para aquela intervenção “está muito abaixo do que devia estar”. “Os nossos cardiologistas referenciam muito tarde os doentes. Estamos a deixar morrer muita gente”, denunciou.
A oradora defendeu a implementação de uma “cultura social de doação” e para isso considerou que “é preciso a promover o dador em assistolia”. Para tal, explicou ser necessário que a Ordem dos Médicos estipule a metodologia e a certificação da morte cardíaca.
Aquela responsável, que evidenciou a importância da colaboração da Pastoral da Saúde da Igreja nesta problemática. “O congresso, promovido pelo Vaticano sobre esta área, foi o melhor onde estive. O Papa deu-nos um discurso magnífico que abordou a dimensão humana que este problema tem”, testemunhou.
Samuel Mendonça
Ouça a conferência:
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