A escritora algarvia falava ao princípio da noite para cerca de 40 professores, pais e funcionários, no Colégio de Nossa Senhora do Alto, em Faro, no âmbito de um ciclo de conferências, promovido por aquele estabelecimento de ensino da Diocese do Algarve, numa semana dedicada à educação e à sua relação com os alunos.

Lídia Jorge, que considerou o livro como o “objeto mais fundamental da nossa civilização e cultura”, algo que “está entre o material e o imaterial”, defendeu ser necessário fazer uma “síntese” entre as vantagens e as desvantagens das novas tecnologias e a sua relação com o livro tradicional.

A escritora, que definiu o livro como uma “escultura e um prolongamento do nosso corpo”, lembrou que a leitura num dispositivo eletrónico não permite, por exemplo, “a simultaneidade e escultura das várias folhas”, nem a sua “comparação lenta e pausada”. A oradora aludiu ao perigo de se “confundir uma passagem” com o todo do livro e “pensar que se pode dispensar o livro”.

Lídia Jorge defendeu, porém, que livro tradicional e eletrónico vão conviver. “O livro é um bem de proximidade adquirido que não pode ser colocado de lado porque tem a ver com o nosso corpo. É um dos objetos que a civilização adquiriu e dos quais não se pode prescindir porque fazem parte de formas de ser”, justificou.

A conferencista defendeu que “o investimento na autonomia é o mais importante”, partindo do princípio que um “ser autónomo é capaz de multiplicar as possibilidades daquilo que lhe vem pelo material tecnológico”. “Em vez de se promover só a comunicação, é preciso promover a interioridade como capacidade de dialogar consigo próprio”, exortou, considerando que “o livro permite a criação no processo de abstração de uma forma extraordinária”. “O livro, porque permite o mergulho na matéria mais abstrata possível – uma folha branca com carateres escuros – e a partir daí criar imagens, ajuda a construir o nosso cérebro lento, onde se criam os valores, a comparação”, afirmou.

Juntamente com a autonomia defendeu o “desenvolvimento da memória” e criticou haver uma “«googlemania» tão intensa que leva a pessoa a pensar que não precisa mais de decorar, de pensar ou pesquisar porque tem tudo ao alcance da mão”.

Lídia Jorge defendeu ainda que o livro “consegue fazer criar, como nenhum outro elemento, o juízo de valor” e apontou, como fator importante para que crianças e jovens não se afastem dos livros, perceber que há livros que se adequam a idades diferentes. Neste sentido, enumerou os diversos estágios: mágico (a partir dos 4 anos), realista (a partir dos 9/10 anos), filosófico (a partir 14/15 anos) e irónico (a partir dos 19/20 anos).

A oradora sustentou ainda que “não se pode pensar na matemática desligada da leitura”. “Há um desenvolvimento educacional que não é feito só por disciplinas”, justificou, acrescentando que “só a leitura dos livros é pouco”. “É preciso ensinar a escrever ao mesmo tempo, ensinar a ter uma expressão de diálogo com os outros através da escrita”, complementou.

A terminar, disse ser preciso continuar a fazer-se tudo “para que o livro continue a ser um animal vivo” e lembrou que “a noção da leitura como um bem, entre nós, é alguma coisa nova”. “Nunca encontrei professores tão entusiasmados e apetrechados como hoje”, constatou, lamentando, no entanto, que o acesso às novas tecnologias esteja a constituir para alguns “uma espécie de biombo para substituir o trabalho”.

A escritora considerou que, “mais do que ler, é fundamental aquilo que se lê”, apelou a “saber escolher e perceber quem são os autores que merecem que se os compre”, lamentando que, nas editoras, tenha deixado de haver “política de autor” para haver “política de livro”.

À FOLHA DO DOMINGO, o diretor-geral do Colégio de Nossa Senhora do Alto explicou que estas conferências “inserem-se numa linha de abertura do colégio à cidade e numa tentativa de colaborar com os pais na educação dos filhos”.

A próxima conferência será apresentada, pelas 18h, por Rui Penha, professor da UAlg, no dia 1 de março, sobre o tema “Sobreviver à escola – da Pedagogia à Educação”.

Samuel Mendonça