Diac_albino_martinsNo dia de hoje, em que a Igreja celebra os fiéis defuntos, a Agência Ecclesia e Folha do Domingo falaram com o diácono Albino Martins que há 25 anos preside a celebrações exequiais na ausência do presbítero no abandonado e envelhecido interior algarvio.

Na altura, ainda leigo quando chegou a Cachopo, com a sua mulher, Cláudia Martins, aquele responsável viu serem-lhe confiadas também aquelas celebrações já por motivos de escassez do clero. O pároco da altura morava a cerca de 16 quilómetros da freguesia e, dadas as grandes distâncias a percorrer pelos montes, o trabalho foi dividido.

Arrojada para época, a opção poderia ter levantado desconfianças, mas o diácono Albino Martins explica que o acolhimento foi o melhor possível. “Desde o primeiro momento, a população de Cachopo acolheu-nos muito bem e sentiu-nos como membros da sua comunidade e isso foi de uma forma muito natural que aconteceu”, conta.

O diácono, que preside por ano a cerca de 30 funerais, conta que os paroquianos já se habituaram tanto à sua presença na presidência das celebrações que o sentem como um membro da família. “Se calhar já fiz funerais de duas ou três gerações de pessoas e isso conta para elas como um dos seus. Por isso querem que um dos seus esteja presente naquele momento em que se despedem de um ente querido”, afirma.

Quando chegou a Cachopo, a freguesia tinha cerca de 1200 habitantes. Hoje tem cerca de metade, na sua larga maioria idosos, sendo que na aldeia vivem apenas 125 pessoas. O diácono considera esta redução reveladora da desertificação que ocorre no nordeste algarvio e noutras localidades da região, lamentando que os jovens não se fixem em função de não terem emprego e que as políticas implementadas tenham levado a “retirar serviços às comunidades”, levando a que “as pessoas vão ficando mais sós e mais entregues a elas próprias, não obstante todo o serviço e todo o apoio que o centro paroquial presta” a 23 montes da serra algarvia, percorrendo cerca de 500 quilómetros diários. Neste sentido, aquele responsável denuncia mesmo a desigualdade de oportunidades e de condições em relação a idosos de outras zonas, mais do litoral.

As funcionárias do Centro Paroquial são mesmo as únicas pessoas que os utentes que vivem isolados veem ao longo de muitas semanas. “Temos montes com dois ou três habitantes apenas. Tínhamos 46 lugares habitados quando chegámos a Cachopo e neste momento devem estar 35/36, muito deles com meia dúzia de pessoas, alguns com uma ou duas pessoas, todas elas dependentes e idosas”, explica, acrescentando que, muitas vezes, os utentes são encontrados com problemas de AVC que podem ter ocorrido durante a noite e outro tipo de patologias que levam a uma intervenção da parte dos colaboradores da instituição. “Raramente são visitados pela família, o que é uma coisa que a nós nos magoa muito. Mesmo aqueles que estão institucionalizados, verificamos que apenas meia dúzia são visitados. Os outros passam meses e anos sem receberem a visita de um familiar”, lamenta.

O diácono Albino Martins explica assim que “a população idosa do interior tem muito medo da noite, do que lhes possa acontecer sem terem alguém que os socorra” e que para fazer face a isso mantêm a uma “relação de proximidade e de boa vizinhança”. “O que noto muito é que isto leva a que haja uma boa memória daqueles que partem. Há uma expressão que costumo utilizar nos funerais: a memória é o perfume da alma. Acho que isto está bem patente no relacionamento que temos uns para com os outros e quando alguém parte conseguimos guardar esta memória”, refere.

O diácono Albino Martins sublinha que os habitantes do interior “amam a Igreja e sentem-se membros ativos dela porque a Igreja tem sido, ao longo dos séculos, a instituição que não tem abandonado estas populações”. “Não obstante a escassez de clero, por exemplo agora em concreto na Diocese do Algarve onde nós vamos alargando o nosso trabalho e a nossa ação pastoral, as pessoas veem que mesmo assim, nesta dificuldade, a Igreja diz presente”, constata.

Em relação ao futuro, aquele responsável considera que “a Igreja tem de ir, cada vez mais, ao encontro das pessoas”, ainda que as suas comunidades possam ser constituídas apenas por dois, três ou quatro elementos. “Temos de passar por aí, não podemos estar no templo, também respondendo um pouco ao apelo do papa Francisco para o trabalho nas periferias. Acho que temos de ir ao encontro das pessoas ainda que celebremos em muitas ocasiões em casa delas”, concluiu.