Foto © Samuel Mendonça
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O frei Fernando Ventura veio ao Algarve desafiar os algarvios a serem “semeadores de estrelas” num mundo que disse estar “cada vez mais solteiro de afetos e viúvo de emoções”, “cada vez mais a precisar de gente que queira iluminar caminhos, procurar estradas, procurar novas formas de ser e de estar”.

O franciscano capuchinho, que foi orador convidado da tertúlia mensal promovida pela Biblioteca Municipal de Lagoa numa parceria com o Lions Clube de Lagoa e o Núcleo Lagoa/Portimão da Liga dos Combatentes, explicou tratar-se de “gente capaz de ir para além dos impossíveis ou para além dos seus possíveis para encontrar os impossíveis que hão-de fazer conhecer outras possibilidades” e advertiu que “ser solteiro e solteirão não tem a ver com estado civil, tem a ver com estado mental”.

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Na reflexão que apresentou esta noite na própria biblioteca e que teve como tema “Ainda há estrelas no céu! Do Eu Solitário ao Nós Solidário”, o sacerdote disse ser preciso “passar da solidão à solidariedade, passar do eu ao nós”. “E nós podemos fazer muito. E nós, que somos pobres mas somos muitos, podemos semear esta terra”, advertiu, acrescentando que “o sentido da vida, da história, do tempo e da eternidade poderão ser e passar pela descoberta do sentido da relacionalidade solidária”. “Teremos descoberto o sentido da vida, da morte e teremos deixado de ser solteirões. Passa por aqui o desafio neste tempo desafiador, desafiado e desafiante”, sustentou, considerando que o desafio é o de “ir ao encontro”. “E, se calhar, o mais difícil de todos é o encontro com cada um de nós”, acrescentou, lembrando que “o desafio começa por dentro”.

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Considerando ser “urgente semear estrelas”, apelou à “construção da casa comum, um espaço para todos, sem excluídos”, lembrando que “Deus «casou» com a humanidade inteira, com todos os homens, mulheres, culturas, religiões, filosofias e idiossincrasias”. “É tempo de empatia, de calçar os sapatos do outro, de perceber onde é que dói do outro lado”, afirmou, exortando à necessidade de “desconstruir a esperança” para “construir uma possibilidade de ver-se a luz”. “Este é o tempo também de passar da religião à fé, da lógica do poder à lógica do serviço e a Igreja tem obrigação de ser testemunha primeira disto. Precisamos de gente que vá à missa, mas que vá à vida também. E se não for à missa, que vá, pelo menos, à vida que é aí que se joga tudo”, afirmou.

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O frei Fernando Ventura apresentou ainda a “aritmética de Deus” que “pode salvar o mundo e a história”: “dividir para multiplicar e somar sem subtrair nada a ninguém”. “O nosso país e o mundo chegaram ao estado em que estão porque muitos multiplicaram sem dividir e somaram subtraindo aos outros tudo o que têm. A salvação da história passa pela aritmética ao contrário”, afirmou.

O orador referiu-se ainda ao texto das Bem-aventuranças que classificou como a “carta constitucional do Cristianismo” e o “texto mais revolucionário de toda a história da literatura humana”. Por outro lado, considerou-o como o “texto mais perigoso de toda a Bíblia porque mal interpretado pode dar razão a um senhor que se chamou Karl Marx que dizia que a religião é o ópio do povo ou a um senhor que se chamou Sigmund Freud que dizia que a religião é uma neurose coletiva”. “E ambos tinham razão”, acrescentou, advertindo ser precisa a “chave de leitura do Cristianismo” para a leitura correta.

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Neste sentido, explicou que a riqueza não é má, se não se ficar fechado nela, aludindo a outra categoria de pobres: “aquelas pessoas que reconhecem que tudo aquilo que têm receberam-no de Deus e por isso se abrem, sem condições, aos outros”. “Pobre não é não ter, isso é o miserável. Pobre é aquele que põe ao serviço dos outros aquilo que tem, muito ou pouco. Os pobres de espírito são estes. Isto é a chave de leitura do Cristianismo e do ser-relação com o outro”, explicou, acrescentando que esta é a “pobreza relacional” a que todos são chamados, que promove “relações redimidas, de equilíbrio, de fraternidade, de solidariedade, sem que ninguém se sinta senhor, escravo, dono, nem propriedade de ninguém”.

O sacerdote explicou ainda que em hebraico o termo misericórdia está ligado ao conceito de tripas. “Misericórdia é fazer das tripas coração. É isso que estamos a celebrar este ano”, afirmou.

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Por fim, falou ainda do “Banco de Leite”, um dos projetos de solidariedade a que está ligado e que sustenta 50 crianças num orfanato de São Tomé e Príncipe, contando com o apoio da Alma Mater Artis, uma associação portuguesa que tem como missão o desenvolvimento de atividades educativas nas componentes artísticas de dança, teatro, música, artes plásticas e outras, fomentando a criação artística individual e coletiva na produção de diversas apresentações e espetáculos, sempre em apoio a causas sociais, culturais e humanitárias. “Começámos numa escola na Maia e neste momento estamos em seis agrupamentos escolares, sendo que o último pólo foi aberto no fim-de-semana passado, na Ribeira Grande nos Açores”, explicou, referindo-se ao projeto de caráter solidário que envolve os jovens do concelho açoriano tendo em vista o sucesso escolar e o combate ao abandono escolar através das artes performativas.

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O franciscano capuchinho falou ainda da campanha “Uma mochila, dois sorrisos” daquela associação que apoia 3000 crianças naquele país africano. “Já fizemos chegar a São Tomé dois contentores de 20 pés mais um jipe. Neste ano que passou fizemos chegar sete toneladas de livros. Também fizemos chegar a Cabo Verde, aquando do vulcão na Ilha do Fogo, um contentor de 20 pés”, contou, acrescentando que o próximo projeto passa por construir uma escola profissional para rapazes de rua em São Tomé e Príncipe.

A terminar apelou à doação para aquela associação (NIF 510 943 799) de 0,5% do IRS ou IRC (quadro 9 do anexo H), dedicada a causas sociais.