“Escrevi com sobressalto e repugnância o poema ´VIII` do «Guardador de Rebanhos», com a blasfémia infantil e o seu anti-espiritualismo absoluto. Na minha pessoa própria, e aparentemente real, com quem vivo social e objectivamente, nem uso de blasfémia, nem sou anti-espiritualista. Alberto Caeiro, porém, como eu o concebi, é assim: assim pois tem ele de escrever, quer eu queira, quer não, quer eu pense como ele ou não.”
 
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Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?
(Fernando Pessoa-Bernardo Soares, «Livro do Desassossego», 1912-1935)

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Pela heteronímia pessoana descobre-se o maior poeta Futurista, no ensejo de ser também a sua maior “invenção” literária moderna, e superior estilização de “grande arte futura”(3) na forma tipificadora “sensacionista”(4) como encarou finalmente sem subterfúgios. Pena é que, com as palavras em epígrafe assinaladas a “negrito” e interpretado por ele próprio F. Pessoa e acerca de A. Caeiro, não tenha sido “interseccionado” para o tempo actual, como as “últimas” palavras acerca da prosa de um “neo-realismo” (semi-futurista), e inacreditável teofobia de José Saramago dramaturgo, sarcástico cultor da morbidez e, através do seu blasfémico «Evangelho».

Se com Alberto Caeiro, Pessoa introduz a sua “primavera” literária com «O Guardador de Rebanhos», Álvaro de Campos é imediata e sequencialmente o “verão” futurista e “sensacionista ” através doutro magistral poema, «Mestre» e, “… seguro como um sol …”. Já Ricardo Reis afirma-se “o pagão decadente, do tempo do Outono da Beleza ”. Este jogo luminoso, “interseccionista”, “estacional” e simbolista, também evoca o tema-chave preferencial de “Arte Futura ”, o «TEMPO». E é absoluta e vibrantemente intersectado por outros dois temas-chave, o «ESPAÇO» e, especialmente a «LUZ».

«Cristo», digamos que é O “leitmotiv ”, isto é, surgindo associado a “ele próprio” (F. Pessoa), a outras personagens, e sobretudo ao heterónimo A. Caeiro. Títulos, múltiplas alegorias, alusões, parábolas, ideias ou sentimentos expressos nos poemas, constituem “Outro” importante “Objecto” temático imaterial, ligado ao “Messianismo”. Fernando Pessoa, a centelha “interseccionista” (“Futurista”), é como que iluminado por uma inspiração espiritual pagano-cristã mas, essencialmente, através do seu Cristianismo “gnóstico” e “maçónico”.

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«Pobre era Jesus Cristo
E ainda o puseram na cruz.
De dentro de mim avisto
O Princípio de uma luz
(Fernando Pessoa, excerto «Quadras do cego Bandarrista», c. 1918)

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As afinidades cósmicas e filosóficas com Albert Einstein cientista são raras e veladas. Mais, depois da publicação da então célebre “Teoria da Relatividade”, e por meio de conferências acerca da geometria do “Tempo e Espaço”, incidindo na extraordinária velocidade da “Luz ” e à entrada do século XX (1905-1916), são para Fernando Pessoa de natureza poética, científica(5) e artística. O poeta português patenteia outra “intersecção” mas, de forma muito encoberta, e comparável à geometria, à matemática, à física, à electrónica, enfim à essência científica, muito para além da relação newtoniana e acerca da atracção gravitacional. Foi a Isac Newton matemático que indirectamente dedicou o marcante poema minimalista, “O binómio de Newton(6) é tão belo como a Vénus de Milo…”, e numa pantomina (“blague”) evidente ao fundador do Futurismo, Filippo Tommaso Marinetti. Este escritor italiano, antes proclamara (1909), que “…um automóvel … é mais belo que a Victória da Samotrácia ”, e parodiando dessa maneira a mais bela escultura pagã do período helénico.

É também em 1914, com o engenheiro naval Álvaro de Campos, e com o maior poema «Ode Marítima» (e onde também se refere indelevelmente a “Cristo”), que essa influência filosófico-científica também se intersecta com a religião e o Cristianismo. Não terá nunca falado de Einstein mas, também nunca indicou Luís de Camões senão através da alusão indirecta a “ele próprio ” Fernando Pessoa, o “Supra-Camões ”.

“I know not what tomorrow will bring ”, é a sua última e célebre expressão sobre o “Destino ” (7), dramática, enigmática, Futura, e do maior poeta modernista português, incorporando ainda Álvaro de Campos. Escrita no seu leito de morte, junto com muitas outras célebres frases temáticas de prosa poética, e desenvolvidas, versando a sua própria «MORTE» e, indirectamente, aludindo ainda à I grande «GUERRA» (1914-1918). Até 1918 (8), ou até ao fim da sua vida em 1935, Fernando Pessoa igualmente pacifista, mas sobretudo “interseccionista”, endereça essas suas derradeiras palavras escritas a “ninguém”. “Deus ” escreve, acima de tudo, em todas as línguas evocando o “Espírito Santo”. Outro “Além-Deus ” pagão e panteísta estaria, entretanto, brincando “aos dados ” (Einstein), em vez das “cinco pedrinhas” (“planetas visíveis” do sistema solar) no poema «O Guardador de Rebanhos». E, sobretudo jogadas à «NOITE», “… com o Universo”… de Alberto Caeiro. “Deus é subtil ” diria o pacífico Einstein “mas, não é malicioso ”.

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«VIRÁ o Grande Pastor,
Que se erguerá primeiro
E Fernando tangedor,… »
(Bandarra, excerto «Figuras do Sonho» xxv, séc. XVI)


*ANÁLISE E CRÍTICA LITERÁRIA

Nota de rodapé: As passagens a cores são expressões, termos poéticos ou excertos de poesias de Fernando Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, e ainda citações de outras personalidades identificáveis.

(1)Expressão especialmente empregue por Fernando Pessoa em 1915, Carta 139, in «Pessoa Inédito».
(2)“Sensacionista é só Álvaro de Campos; Interseccionista foi só Fernando Pessoa, …”, Carta 138, in «Pessoa Inédito».
(3)“Caeiro … Inventou os processos filosóficos da nossa época, indo além da pura ciência em objectividade.” Ricardo Reis do ´Prefácio a Alberto Caeiro`, in «Fernando Pessoa e o Ideal Neo-pagão», 52, p.p. 73-74.
(4)O “Binómio” de Newton refere-se também à “lei da gravitação universal ”, e acerca da atracção gravítica entre dois corpos, e é genial e poeticamente aplicado.
(5)“do Caos e da Noite” também, como é interpretado por Ricardo Reis do “Paganismo Superior Teoria do Paganismo” ´Sentido Pagão do Cristo` in «Fernando Pessoa e o Ideal Neo-pagão», 88, p.126.
Ano final do “Movimento Futurista”, e iniciado em Fevereiro de 1909 com o Manifesto de Marinetti, publicado no jornal «Le Fígaro» em Paris.